ANANITA
Sentada na
borda do canteiro comprido que servia de divisória da rua, Ananita segurava na
mão direita a caixa de fósforo. Queria tanto fumar. Tinha horas que ela não via
a cor do fumo de um cigarro. Levantou-se e pediu um ao homem que saía do café,
mesmo em frente. Ia suplicar, justo no momento em que o homem recuava uns
passos para agradá-la. Pediu-lhe um pau de fósforo, mas o homem tinha isqueiro.
Agradeceu na mesma. Começou a maldizer sem olhar a quem. Pois não aguentava ficar
calada. Mas antes que ela pudesse falar outra vez viu o toco de cigarro atirado
por alguém, fumado acima da metade. Apanhou e acendeu o dela. Ananita vivia da
bondade das pessoas. Escolheu ficar nesta parte do bairro desde o dia em que
descobriu o café - livraria e a loja de frutas, sítio frequentado, onde podia abordar
pessoas e obter auxílios. Ficava durante o dia e ausentava-se ao escurecer. Um
dia convidei-a para um café. Sentiu-se bem e encorajada. Achava-se artista. Por
acaso tinha jeito para arrumar palavras com alguma rima. Enquanto recitava,
gesticulava como mandava as regras do rap. Eu estava a fim de aprender mais da
vida com ela. Pelo sim ou pelo não o natural da rua faz falta a uma cidade. Ele
ocupa a parte em que vida opera pelo avesso. Precisa da vida para viver à sua
maneira. Nunca o contrário. Que seria de uma urbe só com gente saciada e
emancipada? Que sentido teria a própria liberdade? Se desdém fosse rio teria
como origem abastança. Não ter mata-bicho não é condição para se ser menos digno.
Com dezasseis anos de idade levaram-me para uma barraca, dois homens, cada um de
um lado, seguravam minhas pernas abertas, o outro abusava-me. Alternavam-se. Emprenhei
sem saber de qual deles. A vida tinha perdido sentido. Os nove meses pareceram
uma eternidade. Desmaiava todos os dias. Ficava sem força para nada. Tinha
findado o internamento hospitalar. Não tinha onde ficar, para me safar
esbofeteei o polícia de serviço. Fui detida. Passei uma semana na esquadra. Ali
tinha tudo. No dia em que me entregaram a trouxa com minhas coisas senti-me
desconsolada. Estava em dias de ter o menino e tinha vontade de entrar na
maternidade. Decidi ficar na sala de espera do banco de urgência. As pessoas
olhavam por mim, davam-me de comer. Dei entrada na maternidade. Estava ansiosa,
mas temia o futuro do meu filho. Após o parto disseram-me que o anjo nasceu com
a corda enrolada no pescoço e não se salvou. Vi ele, mas sem sinal de vida. Senti
que ia morrer também, mas Santa Ana das Paridas socorreu-me. Larguei o corpo e meti-me
na bebida, no fumo e droga leve. Assim como entrei, deixei tudo, sozinha. Podia
estar a trabalhar, mas não confiam em mim. Mas, uma coisa, nunca dei meu corpo
a mais ninguém. Não sei porquê te contei minha vida. Quantos capítulos têm um livro?
Tenho trinta anos, se cada dia for um, faz as contas.
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