PICOS, UM ALTAR GARBOSO
No coração da
Ilha de Santiago, para lá da Cruz dos Picos, estende-se o rugoso território do
município e freguesia de São Salvador do Mundo, em cerca de trinta e um
quilómetros quadrados, tendo por centro Achada Igreja, sede municipal, contornado
por bonitos regatos e ribeiras cujas águas pluviais correm veloz para as
várzeas de Santa Cruz, município vizinho. O concelho é marcado pelo rochedo Nguli
Lança que se transfigura em cavaleiro, perfil basáltico natural que atrai a atenção
dos visitantes, símbolo desafiador que cunha de forma ímpar a paisagem desta
região ante a altivez do Pico de António, por isso mesmo, Picos, eira de uma
identidade própria que vincou nos naturais uma forma peculiar de ser e de estar,
Picos – Achada Igreja – terra de boa gente, de bons costume, honrada e
trabalhadora, de gente que goza de muito prestígio, atributo herdado do passado
que a iliba de ser pedinchão. É na mítica ribeira dos Leitõezinhos que viviam as
gigantescas e centenárias árvores o Tamarindeiro e o Poilão motivo de muitos
comentários.
A igreja de Nhô
São Salvador do Mundo, santo padroeiro da freguesia, ergue-se no centro da Vila
de Achada Igreja, monumento apreciado de diversos pontos da estrada nacional
que liga o concelho às cidades de Assomada e da Praia. O dia deste Santo é,
desde sempre, tido como a maior festa religiosa de Santiago, celebração que
congregava participantes de diferentes pontos da Ilha, para pagar promessas,
ofertando géneros, aves e pequenos animais, de seguida leiloados pela paróquia.
As festas eram uma espécie de romagem aos ritos e às tradições antigas, em que o
colorido das vestimentas davam cor e tom ao paisagístico, a música, a gastronomia,
o prazer e os galanteios enchiam as pessoas de ânimo, amalgamadas, gozavam a vida
abençoada pelo Salvador de todos. A música de salão era produzida pelos
instrumentos de corda e clarinete comandada por Cesáreo Boca ou Manuel
Clarinete, enquanto nas tabernas e barracas improvisadas era o baile nacional
(baile popular) por conta dos tocadores de gaita e ferrinho que, ao ar livre, celebravam
na sabura, sem embaraços, a vida vivida.
A vizinha Achada
Leitão, belo aldeamento, era terra de Nhô Djonsinho Cabral, grande mestre de
serralharia, sabedor famoso dentro e fora da freguesia, importante proprietário
de terras, dono de conhecimentos técnicos, principal criador da célebre oficina
de Txada Liton, lugar onde se reparava utensílios domésticos e de lavoura,
peças de carro, onde se armava tachos e alambiques e se fundia peças de
trapiches, se fazia e se reparava armas de fogo, serviços prestados a pessoas
de todos os quadrantes da sociedade santiaguense da época, além de ser autêntica
escola de artes e ofícios, onde se aprendia a conhecer o teor dos metais, a
lidar com a forja, fundição e serralharia, disciplinas obrigatórias para os
aprendizes, oficina, também, onde se fabricavam ferramentas e apetrechos para servir
os pequenos ofícios, tais como, pesos, medidas, facas, maxins, enxadas, funis,
tachos, cunhas, alavancas, martelos de pedreiro, colheres de cal, picaretas, ponteiros,
dobradiças, etc.
As chuvas abundantes
de outrora e os bons resultados agrícolas conferiam vida desafogada aos
salvadorenses que raramente deixavam as suas ribeiras para viverem noutros
lugares. No entanto, as mudanças causadas pela carência das águas alteraram um
pouco a vida e a fisionomia da região, obrigando alguns à dispersão, mesmo
assim, os que ficaram jamais abstiveram-se de lutar pela construção de um
futuro melhor para si e para os seus filhos. A penúria de água, o êxodo para as
cidades, a emigração, afectaram bastante a vida económica e social do concelho,
com impacto nos festejos que se afastaram dos costumes e hábitos antigos, passando
a ser oficiosos ou oficiais, programados de acordo com proveitos políticos dos
poderes instituídos.
Os
tempos mudaram e com eles a realidade também. Os festejos são outros porque as
pessoas, os hábitos e os costumes, também, viram outros, apesar disso, as celebrações
de Nhô São Salvador do Mundo, também, Dia do Município, continuaram muito
participadas, com outros conteúdos é claro, destacando-se, além da parte
religiosa, programação diversa, desporto, recreação, festival musical, exposição
de artesanato, antiguidades, restauração, que se encaradas com realismo e
exploradas com inteligência valorizam a cultura e o bom nome do concelho, sendo
a civilidade, a singularidade do paisagístico mais-valias que fazem do concelho
um destino turístico indiscutível. Picos - Achada Igreja é um altar garboso.
Sem comentários:
Enviar um comentário