ENTRE DUAS VIDAS
Estava quase a completar três meses sem conseguir
dormir. Insónia? Após várias consultas e exames o médico declarou-me bastante doente
e fui internado na quarta enfermaria do hospital, segmento, onde eram colocados
doentes crónicos. Havia aqueles que dormiam e não se acordavam, outros em estado de coma e a mim não sabiam identificar o estado. Falava-se em
insonolência crónica. O internamento e a medicação não traziam melhoras. Ia
para quatro meses sem dormir e sem comer. A junta médica tinha-se reunido e a
situação mantinha-se. Não se acertava no diagnostico. O médico não queria que eu
soubesse da gravidade do meu caso. O itinerário
estava traçado. Morte certa. Só, não se sabia quando. No hospital todos
passaram a saber da situação, menos eu. Quando eu perguntava pela minha
situação diziam que eu era forte e que a recuperação viria com o tempo e que
brevemente estaria em casa.
De tanto receber visitas de familiares e amigos, pelas
suas caras e gestos, desconfiei que algo não estava bem. Certo dia pedi que me
trouxessem flores. Branca em caso de alta; amarela fosse para ficar mais tempo;
vermelha para estado grave; e, nada em caso de morte eminente. Concordaram
com a ideia e todos prometeram cumprir o pedido feito.
No dia seguinte, pela manhã, alguém deixou ficar na mesinha de cabeceira uma flor amarela, quase sem vida, não dei por isso, porque estava a dormir. Quando acordei, sobre o peito, estava um bouquet de flores vermelhas, tão convidativas que logo me abracei a elas com devoção. Alguém teria deixado ficar o presente sem que nenhum assistente do hospital o visse entrar, nem sair. O estranho não deixou nome, nem morada, nem outra identificação. Chegado a hora do controlo médico a enfermeira de serviço pôs-se a olhar para mim com cara de inquietação. Eu, sempre abraçado às flores, olhava para ela. Perguntou-me se tudo estava bem. Barafustada, tirou-me a temperatura, verificou o pingar do soro, conferiu o fundo dos olhos, fez uma cara fria como comida de gato, subitamente, desatou a gritar como se ela tivesse visto o morto. Eu, todo caladinho, de olhar fixo nela, abraçado às flores e sem mexer. Ali, imóvel, estava o físico enquanto a alma tinha sumido havia uma semana. O esqueleto aguardava pela visita da pessoa amada, a enfermeira.
No dia seguinte, pela manhã, alguém deixou ficar na mesinha de cabeceira uma flor amarela, quase sem vida, não dei por isso, porque estava a dormir. Quando acordei, sobre o peito, estava um bouquet de flores vermelhas, tão convidativas que logo me abracei a elas com devoção. Alguém teria deixado ficar o presente sem que nenhum assistente do hospital o visse entrar, nem sair. O estranho não deixou nome, nem morada, nem outra identificação. Chegado a hora do controlo médico a enfermeira de serviço pôs-se a olhar para mim com cara de inquietação. Eu, sempre abraçado às flores, olhava para ela. Perguntou-me se tudo estava bem. Barafustada, tirou-me a temperatura, verificou o pingar do soro, conferiu o fundo dos olhos, fez uma cara fria como comida de gato, subitamente, desatou a gritar como se ela tivesse visto o morto. Eu, todo caladinho, de olhar fixo nela, abraçado às flores e sem mexer. Ali, imóvel, estava o físico enquanto a alma tinha sumido havia uma semana. O esqueleto aguardava pela visita da pessoa amada, a enfermeira.
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