DOIS APONTAMENTOS
1.
Estou a ouvir a moça a cantar Djonzinho Cabral, composição gravada pelos Tubarões.
Vejam com é traiçoeira a oralidade ou seja aprender de ouvido, caso usual e Cabo Verde.
A letra cantada é assim:
Maria di Djonzinho es po'l na cadia
es pol na cadia pamodi é kebra brinco.
(...)
Pamodi Maria un ta bende boi nta paga.
A letra original é assim:
Maria di Djonzinho es kre pol na kadia
Po'l na cadia pamo é ka ntrega brinco.
(...)
Pamodi Maria un ta bende boi nta paga.
História:
Maria era mulher di Djonzinho e tinha de arrendamento uma
porção de terra para sementeira. Deitou à terra as sementes e não choveu e seu morgado reivindicou o pagamento da renda. Maria não tinha como pagar. Nho
morgado insistia no pagamento da renda e quis que ela deixasse ficar o par de brincos de penhora o que ela que recusou
fazer. Assim sendo, Nho Morgado ameaçou-lhe com cadeia. Djonzinho Cabral, seu
companheiro, conhecendo a situação, mandou dizer a Nho Morgado que, por causa
da Maria, vendia o boi para pagar a renda da propriedade semeada e que nada rendeu, por faltar chuva.
Há uma tendência em não perguntar e nem sequer saber a letra
e o enredo, resultando dai invenções e deturpações perigosas do sentido da
história que o autor do texto contou e musicou, por isso, não devemos cair na tentação
de truncar os originais. Música não é só ritmo e melodia. É também mensagem e
comunicação. É vinculação de uma realidade expressa, vivida por alguém ou pelo autor.
2.
Não devemos ter medo do moderno desde que ele tenha assento no
pensar reflexivo sobre as bases do passado. O presente é todo nosso e ninguém
nos tira isso. Mas ele é sempre o passado, o ido, na medida em que inovamos ou criamos o novo. No tocante à nossa música, só com estudo, tratamento adequado das experiencias dos outros e dos empréstimos úteis podemos construir
com segurança o moderno (futuro) dos nossos géneros musicais. O bom compositor não deverá
permitir desregramentos, mas, sim, dar continuidade no respeito á memória e às
heranças que tornaram a nossa música inimitável.
Afinal a música é uma espécie de literatura escrita por acordes
no braço do violão caboverdiano que narra o estado da alma, a estrada das emoções
e as relações com a natura e com a vida, sendo o compositor a ponte de ligação
entre o sentir e a realidade, conforme o relógio do tempo e a geografia da vida
o nortear. Ser fiel às raízes é pedir demasiado, mas ser leal é o que aconselho
aos que consideram e amam a nossa música.
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