A JANELA E O PÁTIO
Não desisto de habitar a janela do quarto que dá para o
pátio, de manhã e à tarde. No pátio os pardais anunciam o amanhecer e à
noitinha os grilos o escurecer. Todos os dias, de manhãzinha e à tarde,
ponho comida e água às avezinhas no patamar da janela. É bonito vê-los a banquetear e piar de regozijo. Vêm e vão à hora certa. Na primavera as acácias
rubras pintam de verde o ambiente, fazendo com que as paredes circundantes percam
o valor de pedras. Em Maio o vermelhaço das flores adensa e o pátio parece
um templo e a janela santuário de sons e de cores que o ciclo do sol provoca
com passar das horas. Pátio, paraíso de amigos do charro e de pares apostados
no sexo. Pátio, paradeiro do Txany, o demente que todas as tardes lê o universo de
cabeça para baixo, focando sítios onde as coisas imaginam-se a si próprias sem
pretensão de existirem. É ali onde ele se sente confortável para cantar suas saudades e seus sonhos. Da janela acompanho a sua ascendência á montanha incolor da
vida que o leva para onde a vinculação do ser é unânime.
De tanto observar o
pátio, repentinamente transforma-se em tendais subindo em espiral sugando meu
corpo como um objecto levado pelo tornado. Tudo fica electrizado entre ver e encontrar a saída da nostalgia, buscando a palavra perdida no silêncio do pátio,
ali mesmo, amparada pelas mãos, dou com a minha cabeça frágil como se ela planeasse
desprender e colocar-se na viagem do demente que não parava de recitar cânticos
desafinados, versos ardentes de loucura tomados de algum pomar de vinhos inspirados no trem
da sombra das acácias rubras em flor, mesmo à nossa frente.
Como é louca a janela
do pátio. Ela é como estábulo de dias bons e de dias amargos.
Ali as horas são
como páginas do relógio nas mãos do sol, sonâmbulas e cativas no sonho do poeta.
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