FOGO D’AFRICA É PUJANÇA E DECLIVE
Fogo d’ África é um espaço de permanente convívio
e música. Todos os fins-de-semana Nhô Nani ao violino e a banda de suporte
estão ali à nossa espera. Vir à Praia sem visitar Fogo d’África é o mesmo que perder
o bilhete da viagem no aeroporto de partida. Viver na Praia sem frequentar este
lugar é desviver. Fogo d’África é pujança e declive. Nho Nani é um músico entusiasta
que todos apreciam. Um amigo e moço de bons modos. Empenha-se muito para tirar
boa sonoridade com o arco sobre as cordas do seu violino electrónico. Quem
escolhe Fogo d’Africa para se divertir tem de ter ouvidos de bronze para
aguentar os altos decibéis que as colunas agitam horas seguidas. Mas o ambiente
é fabuloso. Há muito calor humano... Diga-se, masculino e feminino. Os pares
amarrados pelo ritmo e pela melodia movem-se como se estivessem a viajar no
trem da felicidade.
Eram três horas e tal da manhã quando
cheguei à casa. Como de costume dirigi-me ao frigorífico buscar água fresca da
garrafa de vidro e coloca-la na minha caneca inox. Dali, dou uns passos, fico à
janela, tomo uns goles, paro a olhar o céu, a conferir a posição das estrelas e
descobrir se não escorrega nenhuma do seu lugar em direcção ao olho de deus.
Praia tem mau céu estrelado por causa do reflexo das luzes da cidade. O melhor
céu estrelado visto foi em Assomada. Recentemente foi na ilha Brava, em Senhora
do Monte, onde o escuro é amplo com os astros a mostrarem-se, tranquilos e
tiritantes. Fascina-me o céu estrelado. Fico a pensar nas luzinhas que não se
cansam de cavar o buraco onde moram ficando de fora o rabinho faiscante a
abanar, semelhando fuga de feiticeiras levando consigo os recém-nascidos. O ponto
luminoso maior era um planeta. Apostei em Marte. Mas a minha vista cansada dava
a entender que se deslocava na direcção oposta à janela. De tanto olhar para o
alto, tudo parecia ter entrado dentro da minha cabeça. Se sonhava ou se viajava
não pude perceber no imediato.
De repente um gesto enigmático pôs-se a meu
lado e começou a murmurar aos meus ouvidos: Olá! Saíste muito cedo de lá! Voltei
a cara para o lado. Repetiu-se o sussurro: Olá rapaz! Eu queria tanto ficar
contigo. O bafo era cigarro e bebida. Bafo de quem tinha bebido instantes atrás,
envolvido em cheiro de perfume caro. Madame Dior, talvez. Não tinha certeza. – Que
queres de mim? Perguntei. A voz
respondeu: - Vim! Apaixonei-me por ti. Fugi com a cara. - Porra! Eu! Quem és
tu! A voz explicou. – Olha, não estou para muita conversa. Vais-me dar o prazer
de te tocar e de te beijar. Não tenhas medo de mim. Explicou-me em voz baixa. –
Sai! Vai e deixa-me em paz, vagabunda, filha da noite. Senti uns lábios frios a
beijar-me o pescoço. Um calafrio tomou-me conta da espinha a querer tirar-me
forças. Ao sentir o aproximar do seu corpo ao meu, defendi com a mão que segurava
a caneca de água, acertando na parede ao lado, entornando-se o resto da água no
chão. Afastei-me da janela por uns momentos. Voltei a ficar no mesmo lugar e na
mesma posição, a querer enxergar algum movimento. Mas, vi nada. Permaneci de pé
junto à janela. Instantes depois percebi que do chão vinha um cheiro a álcool. Provavelmente,
rum, bebida que uso com frequência. Para comprovar a situação, trouxe a caixa
de fósforo, acendi o pauzinho, aproximei o lume do derrame, puufffff... um fogo
azulado subiu no ar, cheirando a nada. Dai, senti um toque no ombro. Perdeste!
Soou um vuuuoooop... como se o vácuo tivesse sugado qualquer coisa dali. Até o
dia de hoje aguardo por um contacto semelhante sem que tal tivesse acontecido.
Quando escrevo a altas horas da noite dou por finados machos a me rondar, mas
finado fêmea, creio, ter afastado de vez. Segundo a tradição popular finado
fêmea é prestimosa ao seu vidente.
Sem comentários:
Enviar um comentário