Mito ou Dead End

             Mito ou Dead End

‘’Nunca este moço tinha largado seu desejo de embarcar. Quase todos os dessa idade já vêm com essa coisa reservada num canto de suas cabeças à espera de um dia acontecer. Para eles, embarcar não era facto consentido só como forma de uma pessoa se ausentar longamente do seu chão-terra em busca da melhorança. Era muito mais do que isso. Semelhava a uma espécie de rogação interior oriunda do plangor do mar virado ronha asilado no sangue da memória, encarniçando-os a contornar o incógnito da terra distante, coisa em pleno confronto com a ânsia do retorno às origens, sendo latente o feto do revir no anelo da ida. A longínqua vivência até parecia ajudar a diminuir-lhes a crença de que é inane o Santo da Terra, nó cego gerador da decepção permanente, que tende a desaprovar os que têm mesmo de ficar plantados no seu chão-terra, onde, não é tão difícil arranjar um emprego capaz de levar uma pessoa a evoluir na vida e de formar a sua família, sobretudo para aqueles que não desejam sentar ferro em casa dos pais, depender de algum serviço público esporádico ou do sonho da emigração.’’...

‘’É que lá dentro das suas cabeças ser emigrante não era só estar na condição de documentado, poder ir e vir quando lhes apetecesse, era poder beneficiar da possibilidade de também se conhecer e gozar o mundo dos homens. ... Nesta terra, todos, somos emigrantes em stand by ... é a frase que ninguém sabia dizer ao certo quem a formulou’’.

Esta introdução faz parte do texto de um conto meu (inédito) chamado ‘DJÓY’ e porque tem muito a ver com a minha estada nesta grande sala da emigração mundial - os Estados Unidos da América do Norte - mais concretamente no Estado de Massashusett, onde cada um que chega com intuito de permanecer temporária ou definitivamente tem de acertar o tino com os ponteiros do relógio de um tempo outro, tem de ponderar e bem o que vem nas entrelinhas de cada uma das palavras-chave escritas em letras fortes e douradas distribuídas em cinco quadros fixos nas paredes da sala de um dos belos edifícios públicos de Brockton.

Criatividade, Diversidade, Persistência, Atitude e Sucesso, cinco noções bem ilustradas e colocadas de forma a atrair a atenção do recém-chegado convidando-o a observar e a ter em conta as regras do jogo impostas pela sociedade de integração ou seja espicaçá-lo a descortinar como contar consigo próprio querendo singrar na vida. Negligenciando em interpretar e explorar minimamente cada um destes conceitos a pessoa corre o sério risco de não conseguir obter as garantias e confiança na opção que fez (imigrar), nem tão pouco conseguir a tranquilidade desejada quanto mais ser bem sucedida na vida.

No artigo anterior em um dado momento considerei, cito: «hoje, o posicionamento de um número cada vez mais alargado de competências sobretudo em áreas de promoção da defesa dos interesses económicos individuais e dos da comunidade no geral é o garante seguro do seu robustecimento permanente» e, seguindo este raciocínio, acredito, para se alcançar mais benefícios e manter a boa saúde da vida comunitária e dos membros que a compõem, os mais habilitados devem poder actuar no sentido da criação de redes de influência, de organizar e canalizar as experiências existentes, de orientar sem prejudicar o livre arbítrio de cada um na definição do que é melhor para si, de aproveitar no máximo as muitas portas abertas e transformar tudo isso numa corrente positiva de reprodução de novos e mais ganhos.

O forte empenhamento na auto-formação, na elevação do espírito empreendedor, na boa educação dos filhos, na manutenção e coesão familiar, na participação cívica e no exercício do direito da cidadania é falar do empourment ou seja na construção do imigrante inteiro.

O congresso da Diáspora a realizar-se dentro de pouco tempo no solo pátrio – Cabo Verde - deverá poder trazer novos e importantes contributos para o esclarecimento de várias situações que impendem sobre a vida actual dos imigrantes cabo-verdianos nos seus países de acolhimento e medidas eficazes poderão dali sair caso as meras constatações ou justificações que normalmente dão conteúdo aos discursos e às intervenções da praxe sejam postas de lado.

Para mim, uma das grandes questões a se ter em linha de conta é identificar claramente o que pretendem ser as novas gerações (filhos dos primeiros imigrantes). Tomei por primeiros os que fundaram os núcleos associativos, os que ainda suportam e gerem os clubes de amizade, os que ainda promovem os eventos culturais, os que ainda são as peças fortes do Pontão Verdiano, etc. e ainda os que vão deixando a terra-mãe. Posto isto e porque vi-me confrontado com uma dada realidade, nesta pequena nota, deixo ficar umas interrogações que me saíram ao correr da pena. Haverá disponibilidade de gente para na mesma linha guiar e garantir tais interesses? Como podem os valores culturais do país de origem contribuir para regrar as distorções provocadas pelos impactos de uma sociedade de alta competição e consumo? Como edificar o desejado pontão não mito ou dead end’? Que espaço as novas gerações desejam ter no quadro da pretendida nação global cabo-verdiana? Como ser outro numa sociedade alicerçada em muitos outros?

Sem jogar na antecipação, entre o mito e o dead end, prefiro alimentar o belo mito de ser outro para de mim merecer a certeza e o orgulho de ter nascido e ter de morrer outro.

Randolph, Sep 15-2005 Kaka Barboza



RAPIZIUS

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