PICOS, UM ALTAR DE DONAIRE
Para cá da Cruz dos Picos, estende-se o rugoso território da Freguesia de São Salvador do Mundo cujo centro é em Achada Igreja, zona vizinha de Achada Leitão, sítio que deu nome à oficina de fundição e de reparação de peças, de utensílios domésticos e agrícolas, sendo “Nguli Lansa” o simbólico busto rochoso desta bonita freguesia, que já foi sede do concelho de Santa Catarina. A região dos Picos é muito acidentada, por conseguinte, matriz de vários leitos onde as águas pluviais fizeram as ribeiras mãe das férteis e bonitas várzeas de Santa Cruz, por sinal Concelho também vizinho, como o é Santa Catarina.
Nho São Salvador do Mundo é o santo padroeiro da freguesia do mesmo nome. O centro é a Vila de Achada Igreja, onde se levanta a majestosa igreja católica, apreciada de qualquer das vias que unem os diversos pontos do concelho. O dia deste Santo Nome é, desde sempre, das maiores festas religiosas do interior de Santiago. Gente de todas as camadas sociais e populares das mais diversas localidades da Ilha marcavam a sua presença em sinal de devoção e de respeito pela crença que os mais antigos lhes deixaram.
As festas eram mesmo populares já que o povo era quem as promoviam. Uns vinham dar acção de graças ao Senhor do Mundo, enquanto que outros vinham pagar as suas promessas e agradecer o Santo Salvador pelo resultado das colheitas, trazendo ofertas em géneros, aves e pequenos animais, depois leiloados pelos paroquianos. Picos – Achada Igreja - enquanto terra de boa gente, de abundância da água e de boas colheitas, era muito afamada. No entanto, registaram-se mudanças, afectando bastante as festas, alterando não só o sentido delas mas também a forma de participação das pessoas incluindo nas práticas religiosas. Assim, os festejos, privados de certos costumes e hábitos antigos que os distinguiam, passaram a ser mais de carácter oficioso com o planejado a anular o espontâneo, com o calculado a merecer a avaliação dos resultados alcançados.
Picos era um altar onde as festas simbolizavam uma espécie de romagem de exaltação aos ritos e às tradições antigas, onde o colorido das vestimentas tradicionais tonificava a paisagem, onde a música animava os espaços em finca-pés (barraca tradicional) em noites dançantes, incitando os naturais e os visitantes a irmanarem-se no prazer e na glória dos festejos, amalgamando-se livres dos embaraços.
A música de salão era produzida pelos instrumentos de corda e clarinete comandada por Cesáreo Boca ou Manuel Clarinete e no nacional, (baile popular) por bons tocadores de gaita e ferrinho, enquanto que nas tabernas e barracas improvisadas havia comida, bebida, friginato e iguarias, autênticos lastros que incendiavam a sabura do povo que mais não ansiava senão cumprir e fazer do terreiro o local de vida vivida e de revitalização da alma nativa.
As gentes dos Picos gozavam de muito prestígio. Este atributo herdado do antigamente gerou nelas o hábito de não serem pedinchões. Nomes como Joaquim Ribeiro, Joaquim Correia, Djonsinho Cabral, Orlando Brito, Belo Freire (comerciante) entre outros, são nomes que marcaram a vida e a história desta região. Picos, terra de gente virtuosa e laboriosa, mas também do grande mestre de serralharia, Djonzinho Cabral, pessoa famosa dentro e fora da freguesia, importante proprietário de terras, e dono de bons conhecimentos técnicos, criador da célebre oficina de Txada Liton, onde se fazia a reparação de utensílios domésticos e de lavoura, a recuperação de peças de carro, a armação de tachos e de alambiques, a fundição de peças de trapiches, a composição ou a recomposição de armas de fogo etc., serviços solicitados por pessoas de todos os quadrantes da sociedade santiaguense da época.
A oficina era uma autêntica escola de artes e ofícios onde a fundição, mecânica e a serralharia eram disciplinas obrigatórias, onde se aprendia a lidar com o carvão de pedra, a forja, a solda e se conhecia o teor dos metais, instruindo e deixando muitas pessoas aptas neste domínio. Ferramentas e outros utensílios que serviam o campo como pesos e medidas, facas, maxins, enxadas, funis, tachos, cunhos, alavancas, martelos de pedreiro, colheres de cal, ponteiros, dobradiças, etc. etc, eram ali produzidos e com boa qualidade.
Picos é também terra de bons professores, de alunos aplicados, de bons pais e encarregados de educação. O número de imigrantes é reduzido, o que denota haver muito apego à terra de seus avós. Vem sendo notório o aumento de salvadorenhos com formação média e superior em diversas áreas. Tem uma juventude dinâmica e ambiciosa, e muitos trabalham na tecelagem e na agricultura e criação de gado.
Apesar de ser um concelho ainda carente de investimentos há sinais de que os novos tempos trarão outras vantagens para os seus habitantes. Hoje em dia os tempos e os festejos são realmente outros, contudo as festas são ainda marcantes e muito participadas, com conteúdos não de menor interesse, como sejam as actuações desportivas, recreativas, musicais, ao lado de exposições de obras de arte, da restauração e do turismo de aldeia, domínios que contêm riquezas ainda por explorar.
São Salvador do Mundo é Município, é ambição, é futuro. Picos é um inegável Altar de Donaire.
Kaka Barboza
Para cá da Cruz dos Picos, estende-se o rugoso território da Freguesia de São Salvador do Mundo cujo centro é em Achada Igreja, zona vizinha de Achada Leitão, sítio que deu nome à oficina de fundição e de reparação de peças, de utensílios domésticos e agrícolas, sendo “Nguli Lansa” o simbólico busto rochoso desta bonita freguesia, que já foi sede do concelho de Santa Catarina. A região dos Picos é muito acidentada, por conseguinte, matriz de vários leitos onde as águas pluviais fizeram as ribeiras mãe das férteis e bonitas várzeas de Santa Cruz, por sinal Concelho também vizinho, como o é Santa Catarina.
Nho São Salvador do Mundo é o santo padroeiro da freguesia do mesmo nome. O centro é a Vila de Achada Igreja, onde se levanta a majestosa igreja católica, apreciada de qualquer das vias que unem os diversos pontos do concelho. O dia deste Santo Nome é, desde sempre, das maiores festas religiosas do interior de Santiago. Gente de todas as camadas sociais e populares das mais diversas localidades da Ilha marcavam a sua presença em sinal de devoção e de respeito pela crença que os mais antigos lhes deixaram.
As festas eram mesmo populares já que o povo era quem as promoviam. Uns vinham dar acção de graças ao Senhor do Mundo, enquanto que outros vinham pagar as suas promessas e agradecer o Santo Salvador pelo resultado das colheitas, trazendo ofertas em géneros, aves e pequenos animais, depois leiloados pelos paroquianos. Picos – Achada Igreja - enquanto terra de boa gente, de abundância da água e de boas colheitas, era muito afamada. No entanto, registaram-se mudanças, afectando bastante as festas, alterando não só o sentido delas mas também a forma de participação das pessoas incluindo nas práticas religiosas. Assim, os festejos, privados de certos costumes e hábitos antigos que os distinguiam, passaram a ser mais de carácter oficioso com o planejado a anular o espontâneo, com o calculado a merecer a avaliação dos resultados alcançados.
Picos era um altar onde as festas simbolizavam uma espécie de romagem de exaltação aos ritos e às tradições antigas, onde o colorido das vestimentas tradicionais tonificava a paisagem, onde a música animava os espaços em finca-pés (barraca tradicional) em noites dançantes, incitando os naturais e os visitantes a irmanarem-se no prazer e na glória dos festejos, amalgamando-se livres dos embaraços.
A música de salão era produzida pelos instrumentos de corda e clarinete comandada por Cesáreo Boca ou Manuel Clarinete e no nacional, (baile popular) por bons tocadores de gaita e ferrinho, enquanto que nas tabernas e barracas improvisadas havia comida, bebida, friginato e iguarias, autênticos lastros que incendiavam a sabura do povo que mais não ansiava senão cumprir e fazer do terreiro o local de vida vivida e de revitalização da alma nativa.
As gentes dos Picos gozavam de muito prestígio. Este atributo herdado do antigamente gerou nelas o hábito de não serem pedinchões. Nomes como Joaquim Ribeiro, Joaquim Correia, Djonsinho Cabral, Orlando Brito, Belo Freire (comerciante) entre outros, são nomes que marcaram a vida e a história desta região. Picos, terra de gente virtuosa e laboriosa, mas também do grande mestre de serralharia, Djonzinho Cabral, pessoa famosa dentro e fora da freguesia, importante proprietário de terras, e dono de bons conhecimentos técnicos, criador da célebre oficina de Txada Liton, onde se fazia a reparação de utensílios domésticos e de lavoura, a recuperação de peças de carro, a armação de tachos e de alambiques, a fundição de peças de trapiches, a composição ou a recomposição de armas de fogo etc., serviços solicitados por pessoas de todos os quadrantes da sociedade santiaguense da época.
A oficina era uma autêntica escola de artes e ofícios onde a fundição, mecânica e a serralharia eram disciplinas obrigatórias, onde se aprendia a lidar com o carvão de pedra, a forja, a solda e se conhecia o teor dos metais, instruindo e deixando muitas pessoas aptas neste domínio. Ferramentas e outros utensílios que serviam o campo como pesos e medidas, facas, maxins, enxadas, funis, tachos, cunhos, alavancas, martelos de pedreiro, colheres de cal, ponteiros, dobradiças, etc. etc, eram ali produzidos e com boa qualidade.
Picos é também terra de bons professores, de alunos aplicados, de bons pais e encarregados de educação. O número de imigrantes é reduzido, o que denota haver muito apego à terra de seus avós. Vem sendo notório o aumento de salvadorenhos com formação média e superior em diversas áreas. Tem uma juventude dinâmica e ambiciosa, e muitos trabalham na tecelagem e na agricultura e criação de gado.
Apesar de ser um concelho ainda carente de investimentos há sinais de que os novos tempos trarão outras vantagens para os seus habitantes. Hoje em dia os tempos e os festejos são realmente outros, contudo as festas são ainda marcantes e muito participadas, com conteúdos não de menor interesse, como sejam as actuações desportivas, recreativas, musicais, ao lado de exposições de obras de arte, da restauração e do turismo de aldeia, domínios que contêm riquezas ainda por explorar.
São Salvador do Mundo é Município, é ambição, é futuro. Picos é um inegável Altar de Donaire.
Kaka Barboza
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