domingo, 24 de fevereiro de 2008

Bilhete - Viagem de Regresso

O Boeing dos TACV gemia em pleno espaço. Estava a cinco horas de Boston. Seat Five B, cinto laço, descalço e tranquilo, mas com a cabeça ainda em Randolph, Roxbury, Milton, Dorchester e Brockton (em Gá, Bart, Nato, César e Tony), cinco espaços de múltiplos abraços, cinco peitos limpos. Yeh! Boy. Concluí uma felizbela estada entre vós. Melhorou a minha saúde. Many thanks again and again. I love y’all. I’ll be back soon. Acomodei-me no assento, abri o bloco tirado da pasta, e comecei a rascunhar o email para eles. Passado algum tempo, o corpo molificou e, pronto… dentro da viagem uma outra aconteceu. Acabei por dar conta de mim dentro de um espaço cheio de gente e, no momento, tudo parecia estar no seu devido lugar incluindo o que ia dentro da cabeça do primeiro orador que, frenético, insistia em ‘falá contina’, a dizer coisas que muitos dos presentes não se mostravam dispostos a ouvir, mas consideradas esplêndidas pelo orador.

Falou o Senhor Dôtor Saltão. Agora é a vez do Senhor Dotôr Ratão. Disse o apresentador. A leitura do curriculum tinha ficado pelo princípio, quando uma voz grave modificou o ambiente fazendo parar o apresentador. Porra! Para quê stressar os outros com tudo isso, se viver é ‘empuxar e purrar’, sem parar, para frente e para trás. Zurrar, é que não, Stressembuxa e Burrifica. Finalizou, o seu discurso com a maior descontracção deste mundo, deixando o lugar frente ao palanque. Aplausos e mais aplausos encheram o espaço.

Um sujeito bem composto apareceu e com uma certa autoridade foi afastando os da frente até chegar ao lugar deixado vago. Perguntaram um ao outro o que esse homem iria ali fazer. Pediu e deram-no o microfone e arrancou o falatório. Minha gente, atenção, eu vou colocar dois pontos. Um. A minha Dôtóra morreu por falta de dôtor. E agora? Como arranjar uma besta nova? Dois. Morreu a fêmea e ficou o macho solteiro. Gilda, digo, cabra, como obter uma nova? Ficámos solteiros. Ambos. O espaço encharcou-se de ruidosos gritos e aplausos.

Nesse mesmo momento, veio do outro lado da bancada uma senhora fina e elegante, trajando um conjunto de cores muito bem combinadas, tomando o seu macaquinho no colo. Abria e atravessava a multidão sempre a gritar. Deixem-me passar. Por favor deixem-me passar... e começou: - Ouvi dizer que estão ali montes de dôtor, algum há de ser “veturinário” de confiança, isto é, que saiba medicar o meu fôfôkuxo. Arrebatou o microfone da mão do sujeito e desatou a falar com fadiga na voz. Gente, eu estou aflita. Aflitíssima. Ia viajar. Eu poderia até levá-lo, mas ele está com ‘xurrika’porque viu a Dôtóra morta. Longas gargalhadas e apupos tomaram conta do lugar.

Sem esperar muito, uma outra jovem senhora, simples e sorridente, carinhosa, vinda da multidão, aproveitou logo e pegou do microfone, segurando-o contra o peito, disse com ternura na voz: - amigos, alegra-me estar aqui no meio de gente ilustre. Todos sabem que asno é um animal intelectual e de intestino longo. E qual é o intelectual de intestino curtérrimo? A troca de olhares varreu o espaço em segundos. Piolho! Disse alguém! Falei em animal. Corrigiu a senhora. Ninguém chegou lá. Disse depois de inquirir com o olhar. O silêncio foi cortado por ela mesma. Corvo! É corvo, gente. Ele cobra e obra logo! Risos, aplausos, gargalhadas e ovações sem conta.
Assim fora resolvida a situação, encaminhando todos para um final feliz.

De repente, endireitei o pescoço, e acordei. O espaço virou totalmente outro. O pessoal dormia cada um do seu jeito no seu assento enquanto o lusimento trazia o alvor, para dentro da cabine. Disse para mim: “lindo, olha como é que essa hóstia laranja sorve a negrura, devagarinho, dando lugar ao claro”. Lá em baixo umas pintas acastanhadas em série de dois esperavam por mim. Jamais aqueles lábios pétreos se recusaram abraçar, sorrindo, para a tépida ternura do seu maramante. Adivinhem Rapazes? (KB)

2 comentários:

Paulino Dias disse...

Alô, Kaká, qui tal?
Deixei-te um bilhete no meu cantinho. Para te fazer ciúmes eh eh eh.

Abraços,
Paulino

Anónimo disse...

Ena pá! Deixado o parlamento a melhor coisa do dia foi ter descoberto no teu cantinho um belo bilhete. Vou lê-lo cuidadosamente e terás a minha reacção. Obrigado bróda. Abaços KB

RAPIZIUS

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