Paulino O Caçante de Caminhos
A subir, a subir, bróda. Sim, vi-te, bróda, a contemplar o poço fundo e incitar o medo e a curiosidade simultaneamente, a porem-se de pé, para a grandeza da silhueta das ilhas plantadas no estrado líquido onde as baleias e os golfinhos dançam os seus casamentos. Vi-te, bróda, a subir a profundidade do Piki Ntóni, para descobrires o fim do céu da ilha e início de nós mesmos. Sim vi-te, caminheiro. Eu era a nuvem que se afunilava na poesia das pedras de há milhões de anos.
Em mim, em ti, sobravam a necessidade de nos encontrarmos ali no limite das lendas do Pico de António, ao pé de nós todos ilhéus. E vi a tua mão com o dedo em riste a furar os caminhos vicinais de ida e de volta, sempre catando no solo das coisas aparentemente estéreis as pétalas contentes das gargalhadas da descoberta do símbolo de Santiago. Foi dali que o mundo descartou para nós, ante o universo, o canto das enxadas no poio da azágua de todos os anos. Eu chamo a isto dádiva, porque as idas e os regressos têm a finalidade de poderem ser exactamente nós mesmos crescendo com as ilhas conhecendo.
Estou certo, bróda, que esta aventura na pele das tuas garras é mais do que o vicio das ilhas palmilhadas, mas como me disseste no outro dia, é ficar bêbado da poesia das brisas, das paisagens, do assobio distraído dum pássaro, enfim da magia das pedras antigas onde a memória dos deuses se perpectuam. E ficaram bonitos os retratos mostrando a penumbra do dia cansado mas reconfortante; e ficou bonito a malta em peso a esvoaçar os seus sorrisos para os galhos enforquilados de Fevereiro; e ficou lindo o vosso gesto multicolor de pastoreio.
A minha contentesa triste fica, porém, retida neste Bilhete, em resposta ciumenta ao teu, porque, como ovelha desgarrada do rebanho descontrolado, aguardo o dia em que contigo possa eu palmilhar uma milha sequer da ilha, para reforçar os pilares da crença antiga da minha viola.
Porque ter nos ombros o drama de não conhecermos a palmo o chão do nosso chão é catar mentiras para o canto infeliz de uma viola pesada como a ignorância. Invejo-te, bróda, porque, contigo trouxeste o peso do mundo no silêncio das tuas retinas.
Porque ter nos ombros o drama de não conhecermos a palmo o chão do nosso chão é catar mentiras para o canto infeliz de uma viola pesada como a ignorância. Invejo-te, bróda, porque, contigo trouxeste o peso do mundo no silêncio das tuas retinas.
A missão de um caçante de caminhos é dar a conhecer a todos nós, e aos outros, o pertinente olhar recolhido do chão e do céu das profundezas das ilhas que amamos, e recolhido da forma como tu o fazes, bróda. De cada vez, bróda, semeias flores vivas na paisagem das nossas mentes. Enquanto que eu por aqui fico polindo os meus bilhetes de palavras que não chegam para atenuar o salitre na tua mochila, sabendo, contudo, que voltarás sempre com notícias das caminhadas e de todos os festivais de sítios inéditos visitados e das embriaguezes que os descampados de pura poesia escondem detrás das suas idades.
Aceita, amigavelmente, esta resposta para o sossego de spirt do caçante de caminhos, que tu és, meu bróda, Paulino.
Aceita, amigavelmente, esta resposta para o sossego de spirt do caçante de caminhos, que tu és, meu bróda, Paulino.
1 comentário:
Recebido o bilhete, KB!
No fundo no fundo, todos somos descobridores, Kaka: de recantos, de precipicios, de gentes das ilhas, de palavras, de sons e virassons...
Andamos eternamente ah volta das horas com a mochila prenhe de ferramentas - a folha em branco mais a caneta e a angustia que o AV nos dizia ha dias, a maquina fotografica, o diapasao para afinar a viola, e esta eterna sede, caramba!
Sei que me entendes, broda...
Um abraco,
Paulino
Enviar um comentário