Se escrever é álcool, a palavra é cana na calha do trapiche,
caneta o boi, papel o alambique e a prosa ou o verso a destilação que embriaga.
De cada vez que apronto um bilhete é a taça cheia diante dos olhos do bebedor.
O contrato com a escrita é um tratado efémero que celebrei com
o papel, a caneta e o vício de escrever, doença que mata ao de leve. Por isso as
roturas. Não sei viver sem roturas. Roturas sensatas. Rompo sempre que o boi se estafa diante do trapiche.
Rompo ao falhar o alambique. Rompo quando me enfado da cana. Só os deuses não
estafam. Os esperançosos, também não. Nem os livros que carregam as fantasias do mundo.
Escrevam, vocês! Escrevam, escribas,
poetas e prosadores que o meu lugar é na taberna onde o violão não pára, onde a
algazarra e o som são mais vida que o comboio de letras na frente, desfilando
fantasias, sonhos e evasões. O som é concreto. A música é percurso. Quando se
erra muda-se o caminho, quando não se acerta, remenda-se e dá-se o salto ou
então suspende-se e improvisa-se.
Escrever é escada de degraus esgotantes, enquanto o som é
estrada para se chegar à alma, seja que alma for, de santos ou de pecadores.
A
escrever alcança-se o céu. A musicar trilha-se o caminho do inferno da sabura,
do esquecimento, do extasie, enquanto poetar é tropeçar na margem do rio que
não se conhece, que não tem nome, nem foz, nem mar que trave o perigo das palavras. Música é infinito na pauta. Poesia é desenho do infinito no papel. Não
quero ser sepulcro da poesia, antes devorado pelo embalo duma morna ou pelo
fervor do funaná até ser pó no terreiro livre sem mandão, longe, mesmo longe
dos escribas.
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