(...)
Desde aquela tarde de sol quente de
sua meninice em que o Rufino, de nominho Fifi, se revoltou e saiu de casa para
não mais pôr lá os pés, altura em que pensava que a rua se podia converter no
regaço de uma mãe aconchegante, onde a liberdade de tudo fazer era um claro
querer, onde também podia a sua vida encher-se de novos sonhos e a felicidade
advir ao dobrar a esquina, jamais teve sossego.
Mesmo nas horas de calma, em
que sonhava com o além especial, com o asilo perfeito das suas ilusões, que o
levasse a esquecer os rastos de desamor plantados na sua cabeça de criança, ele
não conseguia serenar, não conseguia estar em paz consigo próprio.
Quando
deambulava e lhe perguntavam de onde era e a que se dedicava, respondia sem
embaraços: «faço mandados e lavo carros». Mas respondia sem conhecer as
intenções ocultas das pessoas que o miravam com olhos de desconfiança. Lá nos
confins do mundo que girava dentro dele, esboçavam-se sonhos misteriosos em que
ele próprio deixava por vezes de acreditar. Estava claro que fez e desfez
durante o tempo em que seu juízo errante o aconselhava que sim, que estava
certo.
Mas a partir do momento em que sentiu na pele as pessoas devolverem-lhe
desafeiçoamento, afastando-se dele com pressa, coisa triste de sentir, vendo-se
cada vez mais cercado e afastadas as hipóteses de conviver sadiamente com elas,
de voltar a estar em casa junto de quem ainda pudesse reavê-lo da triste
situação em que se achava, a verdade da vida começou a pesar-lhe na
consciência, apesar de o instinto de revolta insistir em mantê-lo longe de
qualquer um que o quisesse proteger. (...)
Obs. Uma noveleta sobre a vida num bairro, seus habitantes e o que levou um menino a fugir de casa para viver na rua - olho da rua - título do livro.
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