Uma tomada de vista sobre qualquer coisa encerra
em si imagens que, do ponto de vista humano, testemunham emoções, sentires, vivências
sinceras e naturais. A minha casa assemelha-se a uma oficina de produção de
momentos ímpares. Não foi pensada para ser assim. Aconteceu com o andar do
tempo e com o que a vida nos proporcionou. Vive nela uma bela osga há anos.
Osga Rosa é seu nome. Tornou-se da cor rosada por não apanhar sol durante o
dia. Era impossível dar-lhe outro nome. Bem vestidinha e apresentável assoma por
detrás do armário da casa de banho para, talvez, tomar outros ares ou então
deslocar-se para outros espaços da casa para passear e se alimentar. Ela é vistosa
até não poder mais. Do meu ponto de vista, ela é mesmo fêmea. Digo porque as
fêmeas trazem no gesto o feminismo que impressiona, expressa ternura em seus movimentos.
No princípio, os da casa ditaram-lhe morte,
mas porque o ditado antigo diz que osga em casa é bom sinal - traz paz e
dinheiro – ali ficou ela por tempo indeterminado. Permaneceu. Com o tempo toda a
família passou a curti-la muito, até a minha neta passou a gostar dela e a
querer vê-la sempre. Diferente de outros meninos que resistem a bichos desta
natureza, quanto mais uma osga que pelo feitio causa aversão por parecer
nojenta, porém, inofensiva, pacífica e companheira que devora insectos.
Portanto, um parceiro útil, quiçá, membro da família.
Certo dia descobri ovinhos abertos num
cantinho em cima da tolha de banho, mas crias nunca vi, nem marido também. Eu
estava certo, quando disse que ela era varoa. O mais interessante é que ela
canta na nota Fá Maior, tonalidade significante que uso sempre nos meus treinos
de violão. Então, não é que numa noite, saindo a passear ela foi se alojar
dentro do Peregrino, meu violão, que todas as manhãs tomo nos braços para improvisações,
justamente, em Fá Maior, nota do cantar da Osga Rosa. Ao dedilhar senti algo a
dar de um lado para o outro dentro da caixa-de-ressonância, vendo bem, era ela,
a Rosa Osga.
Deixei
ficar o instrumento na horizontal em cima do sofá a pensar como fazer para tirá-la
de lá. Desafinei o instrumento. Com as cordas folgadas podia meter a mão e
fazê-la sair pela boca da viola. Custou-me tirá-la de lá. Dei um jeito e saiu
sozinha sem se magoar. Consegui. Peguei nela com todo o cuidado deste mundo e pu-la
na sua morada - lugar número um da casa - para quem não sabe: banhório ou defecatório
é espaço primário em qualquer domicílio, mais do que a própria cozinha, onde se
fabrica o bolo que a digestão transforma em defeque.
Posto isto, coloquei a musa rosa no chão de
modo a se agachar de novo por detrás do armário das toalhas e roupas de treino,
trono onde vive, aproximadamente, há onze anos. Antes de ela seguir em frente
olhou para mim como se quisesse saudar o meu gesto amistoso. Amizade é amizade
mesmo, basta um ponto de vista sóbrio sobre o que pensamos e fazemos da nossa
vida e da de outros seres da natureza.
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