Eu, o Espelho e a Metáfora
Colocar-me “nun prit” diante do espelho foi a sugestão. O exercício
da semana. E fi-lo. Esperei a hora adequada para o fazer. Uma da manhã. Hora
silenciosa e de todos na cama. À entrada, o aparador ostenta a superfície
polida do vidro há anos. Nele, todos os dias confiro o porte. Já me posei vezes
sem conta nu, ora bailando, ora treinando os músculos. O espelho é sugestão de
nós mesmos, portanto, depositário de privacidades, um acesso que não se abre e
nem se fecha. Se há alguma verdade neste mundo, ela é a nudez. Nascemos nus. O
que a nudez tem a dizer é sempre pureza. Perdemo-la ao nascer e
esperamos que um dia volte a aparecer em qualquer momento da nossa vida.
A nudez é a fornalha virtuosa do amor, assim como a lua-de-mel é exercitar o
amor, sendo expressão da verdade dos amantes unidos pelo calor e pelos vapores da
alma. Resumidamente, a nudez é o nado-mundo em chamas.
Escrever sobre a nudez é materializar a
nudez da mente, sendo as palavras movimentos ditados por elas, o mesmo se
dá com a música. A pauta é produto da alma no apogeu da sua nudez. Sendo a nudez, diante do espelho, a metáfora de um
polígono real em movimento.
Nunca a nudez me pareceu estranha. Visito o meu corpo nu
sempre. Nunca perdeu virilidade. Nunca se aterrorizou de si próprio. Pois, amo
a nudez do meu corpo no palco do espelho, onde o completo afigura-se estátua de
bronze erigida no centro de um reino. A nudez verdadeira é insubmissão, entre o começo e o fim de um gesto. Ela é uma espécie
de princípio e fim do édem, tal como o paraíso de Adão e Eva,
onde nus armaram o pecado original, multiplicando o prazer cárneo em todos os
seres, sendo, por isso, um tabu, algo impedido pela moral social,
porque atribuído a loucos. A nudez pública é imoralidade. Mas a nudez esmerada
é arte, símbolo da carnalidade, explorada e mercantilizada pelos Mídias na
suposição de que se trata da prática da liberdade de expressão corporal, coisa
atendível em sociedades abertas, que, no entanto, nas acanhadas ou pequenas é
ofensiva, porque conotada com putaria. Do ponto de vista artístico a nudez é
metáfora, insubmissão e sensualidade, usualmente, código do erotismo.
Tanto o nu do espelho quanto a nudez de um corpo são o dócil
dom de aceitar desafios.
Nada é mais sincero do que
a nudez do pensamento reflectido numa folha em branco em forma de exercitar declives.
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