1)
Como
surgiu o teu interesse pela poesia e pela música?
Eu encontrei instrumentos musicais em casa. Acho que vim
duma família de músicos e tocadores. O meu avô e o meu pai tocavam e tenho
vários tios músicos, de salientar Nho Djonzinho Alves, (pai de Kim Alves), primo
do meu pai. Havendo tais condições a atracção e a aprendizagem é fatal. Assim
nasceu o meu interesse pela música. Muito mais tarde, com a idade de vinte e dois anos comecei a compor letras para as minhas composições e dai a iniciação poética. Com muita leitura, treino e aprendizagem acabei por chegar onde estou neste momento.
2)
De onde surge a inspiração para escrever poesias
e para musicá-las?
Não acredito e nem alinho nessa da inspiração, a rebuscada
à beira mar, nas pontas, nos lugares especiais. Estes sítios são agradáveis e convida-nos, por vezes, à meditação e á tomada de notas ou de ideias que vão surgindo,
sobretudo quem observa e regista os factos ou então quem lê muito a experiencia dos outros. São necessárias as informações
que captamos.
Há períodos que sinto necessidade de escrever para
responder a solicitações internas que são uma espécie de necessidade pessoal de
preencher lacunas e equilibrar as emoções.
Tanto na música e na poesia acontece o mesmo. Há temas
que pela sua importância e acutilância sugerem desenvolvimento de ideias. No caso
da música há improvisações seguido de um tempo de construção de frases melódicas
mais propriamente dito.
3)
Porque é que compões apenas em crioulo na sua
forma mais genuína? Porque é que usas muitas expressões típicas do interior de
Santiago?
Escrever em caboverdiano, quer dizer em crioulo, não é imitar
o português. A língua que falamos não é tradução do português e nem podia ser,
mas em certos casos há estes indícios ou seja as pessoas mais instruídas fazem salada.
A nossa língua, a língua materna é ela mesma. Há uma matriz que se enriquece á
custa de línguas mais avançadas, mas o vernáculo que este povo criou traz expressões
que significam e representam bem aquilo que ele sente, pensa e interpreta a
vida e o mundo que o rodeia. Reparando bem, é no interior, (no campo) que reside
o pátrio da língua materna. A minha escrita representa a vida que levei na
minha infância, diante da qual não posso fugir e nem inventar outra. Aprendi a
usar bem a nossa língua, a observá-la e estudar as suas variantes, como se fala
em todas as ilhas do arquipélago. Sem este conhecimento é impossível realizar uma
escrita avançada da nossa língua sem inventar acrescentos ridículos e plágios
do português, coisa que acontece nos centros urbanos desenvolvidos.
4)
Consideras-te um compositor de intervenção?
Pode ser. Desenvolvo temas diversos, temas que têm a ver
com as relações sociais e com a vida que levamos. Produzimos muita coisa e
importamos muito mais. Há muita coisa que impende sobre nós enquanto sociedade,
enquanto colectividade, querendo ou não. É na tentativa de pretender destrinçar
temas que servem para cada coisa ou para cada momento que os conteúdos ditam o
que é tido por música ou poema de intervenção. Não sou alheio aos problemas da
terra e ao estádio do seu desenvolvimento e os que afectam o mundo.
5)
Para ti o que seriam músicas de intervenção?
Há várias designações para isso: música de intervenção, música
contestatária ou reivindicativa. Mas uma música traz consigo uma dada mensagem,
isto é aquilo que o autor produz para traduzir o seu estado de alma ou de
espirito. Suponho que ninguém se incumbe de produzir música contestatária para
se tornar músico de intervenção. Para mim, arte é elaborar sobre o que somos e
sentimos e ela acontece de forma intuitiva, tão necessária quanto os gestos e
as ideias que produzimos num dia de vida. Depois há os acabamentos necessários e a destinação de seja qual for a forma artística.
6)
No período anterior à luta armada as músicas de
intervenção tiveram algum papel importante?
Claro. Foram composições saídas da consciência popular e
que evidenciaram o estado de coisas e a situação com que o povo se confrontava nos
diferentes momentos. Estas composições retractam o sonho de um futuro melhor para
si e para a sua terra. Os movimentos independentistas identificaram-nas e beberam
nelas o suficiente para enformarem o essencial dos ideias da luta libertadora em
prol das classes oprimidas e marginalizadas na nossa terra. Em todos os momentos as músicas de intervenção têm um papel a desempenhar.
7)
De onde veio a inspiração para compor a música
“Dimokransa”? E o que quer transmitir com esse termo?
Dimokransa é um jeito crioulo de se estar na política,
isto é, na política participada. Essa coisa chamada democracia. É esta coisa que se vê e se vive todos os dias,
há uns anos, consubstanciada em factos proporcionados pela conjuntura política surgida
nos anos noventa, em que o advento do fenómeno total liberdade de expressão aparece
como salvação nacional, como receita de debelação dos males e das angústias do
povo, em que uns aparecem como donos da verdade e outros apenas como observadores. O
tema por si só explica tudo.
8)
Na actualidade há quem classifique o hip-hop
como o novo género musical que mais se usa para fazer músicas de intervenção.
Na sua perspectiva porque é que tal se verifica?
Sabe, eu não ligo o hip-hop. Não tenho tempo para o
avaliar em todas suas dimensões. Não faço isso porque não é caso do meu
interesse. Por isso passo ao largo. Mas género musical caboverdiano não é de
certeza. Sabe, hoje em dia, vivemos num mundo em que se dá enfase ao consumo de muita coisa, até de bugigangas. Entra na loja China, e veja. Veja o entretenimento que se faz nas televisões do mundo. Há muita palhaçada. Há de tudo e para todos. Eu prefiro matéria que satisfaça o meu espírito.
A transparência anda a matar a verdade das coisas e a própria vida.
As ruas, os gangues, as rivalidades, a auto marginalização, auto desgraça, passaram
a ser temas interessantes de divulgação e até de estudo, porque eles existem e foram desenvolvidos, sendo, porém, setas disparadas
em todos os sentidos, contra raças, contra posses, contra autoridades, contra hábitos
e costumes, contra a civilidade, contra tudo que não seja do agrado da chamada
cultura de rua ou urbana, provocadores de actos improvisados e sem continuidade. Numa palavra:
estilo de vida de grupos com interesses antagónicos que poderá trazer alguma carga reivindicativa, mais no sentido de sobrevivência do ego do que, propriamente dito, luta cívica colectivizada. De denúncias o mundo esta farto.
Fui maltratado por vários Hipopistas por expressar a
minha opinião em relação a o que são conteúdos dos temas e a imitação ridícula do americano. Mas não me importo
com isso. Todo o mundo tem o direito de inventar o bla bla que entender. Hoje
em dia é artista e músico de fama quem aparece nos palcos dos festivais para
divertir a massa, com temas que dizem alertar consciência das pessoas para a necessidade
de lutarem contra os males sociais e injustiças, usando, críticas virulentas, gestos e coreografia inadequados, tudo importado de outras latitudes. Hip-hop é relato ritmado e pincelado de sons.
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