Todos os anos vêm com
a história do Verão - Verron. As empresas fabricantes de bebidas e as das
telecomunicações, chegado o tempo quente ou d’as-águas abrem a corneta da
propaganda a anunciar Badja ku Sol e Festivais de Musicas de promoção dos seus
produtos. É também, tempo de passeios à beira mar, a movimentar o transporte de
muita gente comboiada de fogareiros, carvão, lenha, panelas, cães, tabuleiros de
vendas diversas, incluindo grogue de todos os calibres, charros e pedras, geradores
eléctricos e aparelhagem, tudo para ajudar a beira-mar a ficar mais fenomenal, não
faltando bebedeira, gritos, berros, tumultos, furtos, zaragata e morte por
afogamento.
Aqui em Santiago é assim. Os populares não têm as praias de
mar como lugar de contacto sadio com a natureza, de sossego de espirito, a par
do banho solar e da inalação do iodo, bom para a saúde. Não, preferem a
batucada. Transformam-nas em estâncias de tumultuo, em palco de arrasar a
paciência das pessoas, inclusive, a paciência do mar que, nesta época do ano
fica revolto, sedento de matar os desafiadores das correntes marinhas alinhadas
para o sudoeste ou o sul do arquipélago, cuja localização sujeita-o a dois
períodos do ano, o das brisas ou da seca e o quente ou das as-águas – chuvas,
segundo o estudado livro de geografia.
O primeiro é alimentado pelo clima desértico do continente
ao lado, valendo de Março a Junho e o segundo é alimentado pelas monções do
sul, mais propriamente do golfo da Guiné, com começo em meados de Julho estendendo-se
a Setembro e Outubro. É nesta época húmida e quente que a propaganda comercial,
com conivência das autoridades e dos mídia, insistem em chamar Verão, chavão
que alicia as pessoas a frequentarem as praias, ignorando a condição do mar, as
correntes e a deslocação da areia nas praias que o povo apelida "mar a pedir
chuva".
Todos os anos morre
gente no mar, adolescentes e jovens por ignorarem as informações correctas
sobre o seu estado. Todos os anos temos tragédia. Todos os anos o Verão leva
gente para o céu e deixa famílias desesperadas na terra. Todos os anos o resultado da
propaganda do Verão inexistente é morte e afogamento nas praias de banho das
ilhas. É, assim, o Verão da Morte. Foram quatro jovens mortos por afogamento e
dois desaparecidos em São Nicolau. Quatro adolescentes, duas meninas e dois
rapazes, com idades compreendidas entre 14 e 17 anos que perderam a vida no mar
da Prainha, Ribeira Brava, na ilha de São Nicolau. Dois deles desaparecidos e outros
dois resgatados com vida em situação de forte ondulação.
Todos os anos é a
mesmíssima coisa. Todos os anos é o Verão que Mata no mar - mar que mata para dar
chuva abundante ao povo. Todos os anos é o mar traiçoeiro, imprevisível, a
trazer tristeza, todavia inspirador e amigo, que a trova canta com amargor a triste
sina do ilhéu – mar é morada di sodadi.
Mas o mar está sempre
ali pronto para servir e pronto para matar. Prainha e Quebra Canela, garotos que
mal sabem nadar e outros sem forças para vencer a corrente são socorridos ou
morrem por afogamento diante dos banhistas, também impotentes. O fenómeno
repete-se todos os anos. É o mar de azágua que tem de matar para trazer chuvas abundantes,
diz a voz do povo. É o mar do Verão a iludir uns e a convir outros. Enfim é o
valer da descontra, isto é, da indiferença.
O mar da Prainha, Quebra Canela e de São Francisco, este
último, principalmente, todos os anos cumprem a sina de levar gente para a
morte. A questão não é ausência de nadadores salva vidas. O principal é não confiar
no mar nestas alturas. Neptuno, Deus do mar, não salva quem não se lembra dele
quando tem os pés na areia. A sua missão é levar para o Olimpo os desafiadores desleixados.
O mar não ama. Mar mata. Em lugar de se propagandear festas e batucadas
veronais nas praias, informar com verdade as pessoas de que correm perigo nas
praias de mar revolto fazia mais sentido.
A europeização em curso no arquipélago, a alienação cultural
irreversível são facto inegáveis, sendo, para todos os efeitos algo que a governação
das ilhas não está preocupada, já que passa por cima da afirmação cultural
africana do arquipélago. Conivências e ambiguidade é o que abunda.
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