Abril, cidade da Praia, costuma ser ventoso e pardacento. A poeira arrastada
do deserto saheliano para este corredor atlântico é avassaladora a ponto de estorvar
a navegação aérea, de perturbar a saúde das pessoas, de turvar o verde vivo das
plantas e o colorido das flores, incluindo os automóveis e os haveres
domésticos. A vida cobre-se do chamado “pó di terra”, pó esbranquiçado e
finíssimo, asfixiante.
Eram cerca das dez e tal da manhã, quando a voz de um homem ao telefone me convidava
um encontro. Combinamos para as dezasseis horas no Restaurante O Poeta, lugar
acolhedor e de linda vista para o mar.
Quinze minutos antes da hora, estava eu sentado numa mesinha de quatro cadeiras, a olhar o
mar aberto a tanger a linha do céu lá longe. Aproveito sempre estes momentos
para registar umas ideias no bloco de notas. Voltei a cara vi entrar uma senhora,
seguida de um senhor. Pela hora só podia ser a pessoa esperada. Era ele mesmo. Saudámo-nos
entre risos. Sentámo-nos. Encomendou-se água ao empregado de mesa. Discretos, os
nossos olhares mediam o semblante de cada um. O senhor começou por informar
sobre os motivos da sua vinda à cidade da Praia. De seguida, ele falou da
agenda de contactos com algumas entidades oficiais, com vista a obter os apoios
necessários.
As divas vacinaram-me com o dom de descobrir em quem confiar ou não em
pouco tempo. Facilmente eu compreendi que se tratava de duas entidades respeitosas.
Sra Dra. Felisa Prado e Sr. Francisco Gonzales. Pela postura e pelas ideias
acreditei no projecto apresentado que consistia na organização do Salão
Internacional do Livro Africano – SILA, na sua IV Edição, a realizar-se em
Canárias. Acordada a minha participação, despedimo-nos, trocando cartões-de-visita.
O nosso próximo encontro ficou marcado para 29 de Abril, dez e trinta, na
Livraria Nho Eugénio - Eugénio Tavares, poeta e trovador maior das ilhas
crioulas.
Neste encontro, sem a presença da senhora Felisa Prado, conheci em
detalhe o esboço do programa do Salão Internacional do Livro Africano, SILA -
2013, em que Cabo Verde era o país focado. Dei o meu acordo de princípio em
participar do programa que incluía o percurso por cinco ilhas do arquipélago
das Canárias, para, como músico, compositor e poeta falar sobre a poética na
música atlântica de Cabo Verde em concertos nos espaços públicos. No entanto a Srª.
Drª Felisa Prado tinha deixado Cabo Verde – Praia - nesse mesmo dia. Ciente da
amizade que havíamos construído, convidei o Sr. Francisco Gonzaléz a tomar parte
no convívio familiar, dia do meu aniversário, 1º de Maio, em minha casa. À hora
combinada fui buscá-lo ao Hotel Trópico. A casa estava cheia de irmãos,
cunhadas e sobrinhos. Na verdade nossas festas é sempre uma tempestade de alegria,
um ferventar de amizade contagiante, que colocou o visitante à-vontade, inda
mais, com dois irmãos meus formados em Cuba, a facilitar o diálogo com o
convidado.
Fui, eu mesmo, a preparar o prato da noite: Camarão descascado marinado á
minha maneira, carne de porco assada desfiada, creme de beterraba, peito de
frango desfiado, creme de salsa e contros, salada com queijo de cabra esmiuçado,
croquetes, linguicinha da terra e o prato mata-borrão da festa, canja, justamente
para dissuadir o efeito da bebida. Cantou-se o tradicional parabéns a você, seguido
de foto de família. A noite passava e a casa não sentia. Todavia a hora di bai é
sempre o momento desolador da festa. Nisto, só os da casa ficaram a dar jeito
às sobras e arrumar a loiça. Tinha sido uma noite sã, pesando nada o calendário
de sessenta e seis azáguas na idade do boi que, apesar-de-tudo, sentia-se valente
e corajoso.
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