PENADA KUATU
CHÃOTERRA MAIAMO é o meu primeiro livro publicado em língua portuguesa.
CHÃOTERRA MAIAMO é o meu primeiro livro publicado em língua portuguesa.
Foi escrito nos finais dos anos noventa (98/99) e publicado pelo Instituto da Biblioteca Nacional em 2001. Foi dedicado à “juventude das nove ribeiras da nossa terra e pela sua infatigável luta em prol do bem e da justiça”. A Nota de Leitura é da autoria da escritora Drª. Ondina Ferreira, quem apresentou o livro de um único poema – ChãoTerra Maiamo. Foi para mim uma rica experiência na medida havia duas situações em presença. Ao mesmo tempo que eu escrevia “Konfisson na Finata” em caboverdiano, outra poesia emergia em língua portuguesa e, até parece, que o heróico se amantisou com a indignação. Os anos noventa obrigaram-me a uma produção literária e musical mais rigorosa.
Quem se atentar literalmente sobre os textos do poema dará conta, com certeza, de que o todo o processo arquitectural firma-se em fortes motivos conjunturais, aliás não podia ser de outro jeito, já que a década de noventa gerou muitas expectativas e o povo viu-se traído no fundamental da sua existência. O trovador é peremptório quando diz: «Simentera é simenti skodjêdu» Fica um poema para vos desafiar a mente:
I
DEBATE
Está-se a vender o país!
É pedra! Não vale nada.
Está-se a destruir a raiz!
É democrança instalada.
Está-se a comer no lixo!
É o diz-que-diz da malta.
Está-se a virar mais rico!
É sorte de quem trapaça.
Está-se a perder a matriz!
É blasfémia do asemana.
Está-se a castigar o infeliz!
É lei que nunca se engana.
Está-se a comer tudo isto!
É fama de quem governa.
Está-se a beira do abismo!
É o povo quem mais ordena.
O que é que nunca se diz?…
Que está-se numa cagada.
E como é que se vira feliz?
Quando se ira e se ataca.
(Praia, 1998 Kb)
II
É raro um poeta ficar & não morrer sofrido.
Escreve para os papéis & contacta os espíritos.
Não compra anéis & gasta em livros.
I
DEBATE
Está-se a vender o país!
É pedra! Não vale nada.
Está-se a destruir a raiz!
É democrança instalada.
Está-se a comer no lixo!
É o diz-que-diz da malta.
Está-se a virar mais rico!
É sorte de quem trapaça.
Está-se a perder a matriz!
É blasfémia do asemana.
Está-se a castigar o infeliz!
É lei que nunca se engana.
Está-se a comer tudo isto!
É fama de quem governa.
Está-se a beira do abismo!
É o povo quem mais ordena.
O que é que nunca se diz?…
Que está-se numa cagada.
E como é que se vira feliz?
Quando se ira e se ataca.
(Praia, 1998 Kb)
II
É raro um poeta ficar & não morrer sofrido.
Escreve para os papéis & contacta os espíritos.
Não compra anéis & gasta em livros.
Nunca vi poesia na rifa ou nos jogos de azar.
É pato, pateta o poeta. Devia dizer-se grilo.
Grila, grila, grila & não se pira.
Está.
Ambos:
o poeta e o grilo cantam em estranho trilo.
Que nobre sorte entre o calcanhar & a pedra ficar.
A Drª Ondina Ferreira (apresentadora) fez as seguintes considerações a respeito do livro:
«Chão Terra Maiamo de Albely Bakar, pseudónimo do poeta/músico Kaká Barbosa ou mais concretamente, do cidadão Carlos Alberto Lopes Barbosa, é uma colectânea de poemas escritos, desta vez, em português.
Este reparo tem todo o cabimento, visto que parte substantiva dos poemas anteriores dados à estampa foi redigida em língua crioula, e na variante de Santiago. Trata-se de um experimentalismo linguístico na obra de Barbosa que também é uma aculturação da sua lírica e uma assumida, consciente e sentida forma de a expressar. Poeta de delicadas composições líricas e de vibrantes versos de intervenção, que ora sob forma musicada, ora permanecendo em textos escritos, quase sempre nos conduzem aos temas mais caros na sua poética: a mística da terra, o amor vivido versus amor pressentido, a condição humana/telúrica/comportamental, condicionada no forte jogo da recusa/aceitação e no dilema imenso da vontade que esbarra com o poder e o querer.
Voltando a Chão Terra Maiamo, vale interrogar se o longo poema de que se compõe, não poderá ser analisado como texto épico, pela vibração clamorosa, urgente e imperativa que certos excertos do mesmo transmitem ao leitor. O sopro épico atravessa quase todo(s) o(s) poema(s) do livro, conferindo ritmo e tom em crescendo e galvanizando o discurso poético. A visão profética, o sonho, a utopia, quais fortalezas humanas, surgem nos versos de Chão Terra Maiamo com muita ressonância emotiva. Mas também, a sina, o destino os insondáveis desígnios espreitam a terra maiamo e os seus moradores.
“ Chão Terra Maiamo! /nos socalcos da tua vontade/limitar-se não é resignar-se/não é pactuar debalde e desprovido/não é actuar em atalhos fúteis/não é aturar a mediocridade da vida/ É irar-se por amor a ti sentir e ... resistir// Chão Terra Maiamo! /nos troços da tua verdade/concordar não é acreditar/não é aceitar sem desafio/não é acertar no incerto/não é acoitar no extravio/ É virar e revirar certo para existir e... construir”. (Pág...18)
Neste sopro épico que respigam os versos da presente colectânea, a sátira e o escárnio alinham-se e fazem-se entender na descrição de um tempo e de um estado de coisas que exasperam e revoltam o poeta que os expressa em duros versos: “ são como traças estes couros gulosos/clássicos vermes assaltantes e desalmados. //O instante chegará e o saco desbambar-se-á //e de novo elevar-se-ão os altos desígnios. //São como carrapatos estes parasíticos calos./Autênticos seres com o diabo pactuados./O instante chegará e o saco desbloquear-se-á/ e de novo revitalizar-se-ão os ânimos.”
Igualmente um matiz melancólico de um certo passado que não se revê no presente, pincela muitos dos versos registados neste livro. Será porque o sujeito poético versus o(s) outro(s), também já não é o mesmo? Ou será porque já não é possível a repetição tal e qual de determinadas emoções passadas e vividas, de certos sentimentos expressos? Assim no-lo faz supor o poeta: “tanta coisa absurda repete-se/ e faz-se //Amar como dantes não sei jamais //ficou invertido o meu riso de rapaz// canto a fé porque ficou na canção...// Amo-te sim: de outro jeito”. (Pág...)
A fina observação da lida do próximo, entre a “espera e a esperança”, entre o “ espernear e o desespero” que não desarma. Que se levanta e que se deita tenaz e estóica:
“ De manhã o sol/ é sempre a renovada esperança/no cuidar cansado de certos homens // À tardinha o sol/ é sempre o resignado falhanço/ no espernear dos mesmos homens // Esperar a esperança ... / é desespero ou desesperança?” (Pág...)
É minha convicção que o leitor terá em Terra Maiamo um expressivo e rico momento poético de Albely Bakar / Kaká Barbosa, revelador de fruição realística da vida em fase plena de maturidade, de conhecimento, de serenidade, que aqui não é sinónimo de passividade abjurativa, pelo contrário, o poeta indigna-se, intervém, por vezes, mais do que ele próprio desejaria, mas não abdica da condição. Di-lo o poeta de forma inequívoca: “ Se terrificante for a terra emergirei terramoto/ se amarfanhado for o mar revoltarei maremoto/ se farfalhado for o ar tornar-me-ei vendaval/ repuxado e bravo e indomável // Até os antípodas do meu eixo/ falo/ faço/ côncavo nunca na vida.”
As forças da natureza, porque eternas, poderosas e indesmentíveis, são as cúmplices e os termos de comparação, alegóricos e hiperbólicos de que se serve o poeta neste compromisso solene de se manter espiritualmente erectus.
( Os cinquenta anos de vida do poeta, completos em Maio, p.p., presentearam-nos com os reflexos desta maturidade alcançada? Faço aqui um propositado parêntesis, para convidar o leitor a ir à página ....., e ler o excerto que lhe dará alguma pista de auto-retrato, embora transfigurada pela plurissignificação poética.
Aliás se me fosse permitido fazer o Registo de nascimento do poeta Albely Bakar, compunha-o do seguinte modo: Filho de: “ um dia de maio inscrito no calendário. Nascido no pelado ocre deste naco de terra batida. Gerado no fogo ardente do amor. Veio no angélico feto, a sigla, a sina ou a sorte. Sua dura sorte cavalga só e silenciosamente. As cruzes do tempo cravaram-lhe os seus contornos. Surgiu do reino dos espíritos dos seus avós: senhores, escravos e morgados. Todos homens, cavalgando sonhos.” (Adaptação do poema da página....)
Fecho o parêntesis para retomar um dos temas sempre presente e também muito caro a Albély Bakar / Kaká Barbosa, o tema do amor que mesmo que não fuja à configuração esperada, ele surge renovado na interrogação particularíssima do sujeito poético, sobre cambiantes humanas, transcendentes, telúricas de que o sentimento se reveste e se transvasa, no “irar-se amando”, no “gostirado de tanto amar” e ainda no “amor, é nada viril” (pág...). Há uma reiteração ao longo dos versos, deste amor abrangente que toca a humanos e à terra: “esta magra courela/ compenetrada no silencio/ de um gosto irado de tanto amar”. Idem.
O amor também se manifesta sob forma de arrebatamento perante o belo que se vislumbra: “ nos doces olhos e no jeito desamparado de Sandra,” mas também, se demonstra “ na tempestade de pobreza desesperada” em que: “ a vadiagem obstou-lhe decifrar o afecto...” (Pág...)
Terra Maiamo, no fundo, lá bem no fundo , é para o poeta, a sua primeira e única instância do saber e do querer amar, e se angústia por vezes se sobrepõe a este afecto, a este pacto com a terra é ainda derivada e resultado do “ comprometimento que me penhorou a viola / o rosto, os passos o sentir e outros desejos”. Para acrescentar no mesmo passo: “ Só te pedi como filho de parida / o direito em ter uma larga pátria de amor...// Rejeito o não direito de calar a tua dor / presto-me a lutar e a jamais recuar.” (Pág...)
É com esta Nota breve e de certa forma imperfeita, embora munida da tentativa de induzir o leitor a folhear o livro e a penetrar nos versos primorosos que o compõem, que termino a leitura, de um dos melhores se não o melhor, até o momento, trabalho(s) poético(s) de Albély Bakar/ Kaká Barbosa». (Praia, Março de 2001)
III
Os finos lábios e os delgados gestos teus
espoletaram o invólucro dos meus desejos.
Os murmúrios e o sopro dos segredos teus
detonaram o labirinto dos meus intentos.
Vamos esgotar o tempo e secar o beijo
e sugar o baldo mel em toda a colmeia.
Vamos apagar o tempo e acender o leito
e rolar no banco do amor até secar a ribeira.
Lembras-te quando...
na primeira onda do teu sorriso me embriaguei
e na pluma do teu manancial de amor acordei?
(este poema foi escrito no dia 5 de Julho de l999)
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