sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Bilhete para Guita Jr. Inhanbane

Caro irmão Guita
Acaso fosse vivo São Tomé, falo não da terra do leve-leve, mas sim do Santo mesmo, este de olho-vivo que só crê vendo, ele juntava-se a nós sem pensar duas vezes, (eu, tu, o Ndalo, o Pedro Muiambo e a malta santomense próxima) para de vez crer sem ter que ver que a amizade verdadeira fica e refresca-se com um simples Hello. Sei que acreditas no que acabaste de ler.

Poucos anos atrás o Ndalo fez-me surpresa. Veio a Cabo Verde e tlin-tlin … o telefonema vinha mesmo do outro lado da minha casa no bairro onde moro. Ena pá foi uma coisa inesquecível. Passámos em revista, primeiro a nossa estada em São Tomé, depois os nossos projectos literários etc. claro está, tocados, falámos de vocês outros, e da lonjura que hoje nos separa.

Enfim, caro amigo, juro que a cinta do equador coligou de que maneira a nossa amizade.
Lembras-te do nosso encontro com o "coronel do dinheiro" que não queria desembolsar o argent de poche e de estada para a malta?. Ainda por cima ficou a dever o Muiambo. Fulanos deste tipo nascem e morrem pobres. Dizia, das declamações, das tocatinas, da visita às roças e do almoção em Angolares!?
E do vinho de palma que as senhoras júris não poupavam. Olha, a nossa saudosa Gabriela Antunes, fez falta ao mundo da cultura africana. Rigorosa como ela era. A mim dizia-me sempre: «Ah! Sim! És o tal que a Auzenda me recomendou. O músico, o poeta, o animador do ambiente. Estou a ver». Senhora muito competente. Deixou-nos saudades.

Guardo devotamente a gravação em mini-disk feita por Ndalo e todas as vezes que oiço esta reportagem, imagens feitas carruagens comendo trilhos de gargalhadas não param de exercitar no ecrã do meu imaginário. Bons dias passados juntos.
Eh pá.... lembras-te do tal passageiro que na ida levava fato e boina dentro do avião?
Porra! Este gajo só pode ser poeta. Homem de negócios não; sacerdote não tem jeito; governante e diplomata não viajam assim… bolas, rapazes, ele é participante como nós. A tua guita não falhou mesmo, amigão.

Agora, coisa séria. O nosso projecto de publicação conjunta do cardernão de poemas mantém-se vivo. Tenho uma colectânea pronta e tu deves ter outra pronta. Não sendo, trata de o fazer. Logo que possível arranjaremos forma e meios de os publicar mesmo sendo fora dos nossos países. Não achas? Pensa nisso.

Amigão, espero que curtas este pequeno desabafo que a tecnologia ajuda a chegar depressa às tuas mãos. O Ndalo vai de certeza curtir também esta página de amizade e quero crer que esta foi uma forma digna de reacendermos a nossa larga amizade.
Jamais me esqueci como falavas do teu Inhanbane, do Índico, das praias, das conchas, da poesia e das musas, das loucas musas. Por isso, meu caro, vai um sonheto visado por este pastor de estrelas, para o regalo dos lados do sol poente das tuas andanças:

KATINARA

No seio dos teus olhos flúem lavas
Colorando o céu da tua tez morena
Na viola jóia da tua ventura díspar
A gota se apagou e o cristal enlevou

De terno teus lábios pareciam vagas
Altas tatuadas de canções de serena
Suspiros de espuma rolantes do mar
Uma concha que na praia desabafou

Eras um navio na vela duma oração
A singrar suave a sul dentro de mim
As milhas de uma melífera sedução

O meu sofrido desejo grande assim
Era um vazio porto de doída canção
Onde as vagas vagiam bem mansim


Teu amigo Kaka Barboza

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