Às 10H00 estava eu em casa do poeta. Ele tinha terminado o
café da manhã. Esperei por ele na cadeira de costume. De pijama, sorridente,
entrou na sala de estar. Eu e ele não nos saudávamos, celebrávamos a
fraternidade.
Meu caro, tenho uma
coisa para te mostrar. Trazia na mão três livros. E começou: Passei a noite a
estudar Haicais. Nunca me tinha passado pela cabeça lidar com isso. Há várias
formas de dizer. Eu gosto de Haicais. O Haicai é uma forma poética concisa e provocador
do espanto. Explicou-me a origem e as várias formas que o Haicai assumiu no
ocidente literário. Referiu-se a Bashô expoente inevitável desta arte de
escrever. Abriu o bloco de notas e leu-me o seu primeiro haicai. Este é
seguramente o primeiro Haicai do poeta irmão, Corsino Fortes.
Poema perdido
no pó poalha da
palavra
pavor do poeta.
O seu bloco de notas traça na realidade a trajectória do
poeta na sua nova paixão … aprimorar os haicais, hoje, editado em livro.
Momentos singulares e de boa conversa guardo comigo, entre outros, os da
composição dos últimos poemas, todos eles desenhados na mente, para, depois, transpô-los
no bloco de notas. Dentro do automóvel do Sr. Fran Gonzalez, a caminho do
aeroporto de Las Palmas, de regresso às Ilhas, o Poeta Maior descrevia-nos como
viria a ser o poema que tinha em mente.
Dias depois dei a
conhecer ao poeta o ensaio:
Flores d’Ibyago
alvo jardim de lonjuras
flumes luzentes.
Sorriu. Está bonito. Contou as sílabas. Explicou-me as
regras. Trouxe o bloco mostrou-me outros em construção, leu e explicou o
conteúdo. Ele estava entusiasmado com isso. Olha, meu caro. Vamos levar a ideia
aos académicos e ver se conseguimos um dia fazer uma sessão de Haicais. Haicais
nossos. Seria uma coisa bonita e inédita. Vamos pensar nisso. Da minha parte eu
quero chegar a uns trinta. Já dá para começar. Nesse dia só falamos de Haicais.
Assinou o cheque da Academia, despedimo-nos, com a alegria de sempre. Olha, meu
caro. Esta casa é tua. Podes vir a qualquer hora do dia ou da noite. Estou
sempre cá. Fecha bem a porta lá em baixo. Bateu o portão de ferro e rodou a
chave duas vezes. Nossos encontros eram autênticas celebrações de amizade.
Conviver com Corsino Fortes era celebrar o amor ao próximo.
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