domingo, 12 de junho de 2016

Recordar Tututa

 Conheci Tututa, em 1970, na loja Benvindo, Rua de Lisboa, Mindelo, acompanhada do irmão Tchuff que fez questão de me apresentar a Senhora do piano. A sonoridade do disco instrumental, com músicas da sua autoria, enchia o espaço frente a Casa Madeira, onde eu trabalhava.
 Sorridente, simpática era a senhora de fácil amizade. Após troca de olhares ofereceu-me a face para um beijo. Viva era a alegria que floria no semblante desta pianista, possuidora de uma das melhores mãos esquerda no piano em Cabo Verde. 
Antes, tinha conhecido Djosa Marques e Chico Serra, dois grandes da nossa música, ambos possuidores de uma belíssima mão esquerda ao piano de cauda, no acompanhamento da morna, da coladeira e de outros géneros musicais. Djosa Marques era tido como o inventor da percussão nos teclados no acompanhamento da morna e da coladeira. Hubertona que tocou com ele trouxe para o violão a experiencia, criando uma forma de companhar a morna ao violão, em vigor até hoje.
Quem como Tututa fez tanto de bom, se empenhou e se dedicou com muito talento, a morte não é sentida, antes vivenciada. A sua ausência é o ascender de um espírito fecundo no firmamento, onde se perfilam os grandes e na luz imortalizar-se. Os grandes nunca morrem. É um reconhecimento antigo.  Porque aquilo que eles fizeram e por aquilo que representam na história e no percurso do seu povo e da sua terra merecem honras e gratas recordações.
 Tututa, tal como o irmão Tchuff, foram demais vibrantes interpretes da música e da cultura popular nacional, como tal, tornaram-se expoentes e exemplos de como deve-se encarar e aproveitar o que a história nos legou e o que humanidade criou para servir os povos. Os dois, filhos de outro grande e talentoso compositor mindelense António Tchitcho, que também marcou a sua época, apostados na recriação de motivos e temas significativos, deixaram o suficiente para significarem como entidades de respeito e da nossa eterna admiração. Piano é um instrumento demais exigente, sobretudo para quem cuidava de si e dos filhos, num período dificil da vida das ilhas, porém, a sinfonista Tututa jamais deixou de se aplicar, acabando por dominar com mestria o instrumento da sua predilecção.

Tututa tinha a consciência de que o seu instrumento de trabalho era impossível ser transportado ao colo para os lugares onde tocava, como acontece com os de corda, a sua casa era a oficina onde elaborava a música, chamando para a acompanhar amigos e familiares músicos. O teclado do seu piano assemelhava-se a um pomar onde semeava a virtuosidade das suas emoções. O preto e o branco na tábua de notas onde se entretinha e compunha canções, muitas delas perenes, pareciam degraus de uma vida cheia de sonhos, transfigurada na agilidade dos seus dedos e no permanente sorriso dos seus anos de vida.
Tututa era uma rica senhora, uma valiosa mulher, valerosa e autêntica, inspiradora de todas as Donas Ana - orgulho de nôs vida - cito M. de Novas.
 Que o assento fosforescente do universo receba e tenha na sua luminosidade esta crioula que deixa saudades eternas. Gloria à alma e à obra de Tututa, dilecta filha destas ilhas.


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RAPIZIUS

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