NOSSA CASA EM ASSOMADA
A nossa casa era espaçosa e tinha um quintal grande. Ao
fundo a capoeira e o chiqueiro. De um lado a despensa de chão empedrado que
guardava tambores de mantimento, garrafões de sementes, latas de gordura, tina
de salmoura, arranjos de azágua e sacos de mancarra. Do outro lado a cozinha de
terra batida, igualmente ampla, tendo ao centro fogões de três pedras, um para
caldeirão grande e outro para panela pequena, além do de barro a carvão para o
bule e esturrar o louro. Na cozinha de uma parede á outra, justo no ponto da
subida do fumo da lenha, havia o travessão de pau de carrapato para fumar
enchidos de porco. Temia entrar na cozinha á noite por causa do enegrecido das
paredes e da coberta, não com a despensa. A aventura de forçar a porta para
entrar e trazer punhados de mancarra para o quarto de dormir bania toda a
espécie de medo. Mancarra com açúcar era sustento que tinha fama de desenvolver
os cavalos, torna-los fortes e velozes para as corridas, qualidades desejadas
pelos jovens para poderem competir com colegas de escola e atacar a disputada
da bola. Crendo nesta fama eu comia às escondidas mancarra com açúcar no
silêncio da noite, antes de dormir. Nesse dia a lata de graxa onde eu punha o
açúcar estava vazia. Com pés de rato saí à procura do boião de vidro com
açúcar. A guarda comida estava fechada a chave. Socorri-me duma faca. Não se
encontrava ali o recipiente. Fiquei atrapalhado. À luzinha do candeeiro,
aproximei-me da porta do quarto do avô, na mesinha de cabeceira, ao lado do
bule de chá e das chávenas estava o boião. Pensei duas vezes. Na vez de três,
decidi trazer o açúcar. Agachado como um felino ziguezagueei até chegar perto
do lugar. Ao esticar a mão para alcançar o vidro, caiu a colher, o avô acordou.
Ao pôr os pés no chão, colocou-os em cima de mim. O grito acordou a casa
inteira. Meu pai compareceu de manduco numa mão e lanterna noutra mão. Já o
problema era outro. Menino desmaiado no chão. Água de pote na cabeça fê-lo vir
a si àquela hora da noite. Instado a relatar o que tinha acontecido, o menino
começou a contar: senti um barulho no quintal, espreitei pela janela, um vulto
vinha da cozinha em direcção ao quartinho, refugiei-me na sala de jantar,
armei-me duma faca, ao recuar vi a guarda comida aberta, fugindo á perseguição
escondi-me no quarto do avô, senti algo em cima de mim, gritei. Nada mais ouvi.
Serenado o ambiente, nada obstou que os despertados dormissem como se nada
tivesse acontecido. Amanheceu e cada um pegou nos seus afazeres até o cair da
tarde. A avó era quem dava conta de tudo o que se passava em casa. Á hora de
esturrar o louro chamava sempre o netinho para se divertirem com passagens. Ela
começou a contar do rato que comia mancarra com açúcar para ser robusto como o
cão.
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