quarta-feira, 22 de julho de 2015

RAPIZIUS




Txéki! Txéki! Passa negro! Dobra as asas e desaparece. Teu sítio é lá na ponta do Mau Passo onde tem rocha ruim. É lá que a tua mãe te pariu e te largou vago no mundo. Covarde! Dobra as asas e vai-te poisar lá no lugar de Nho Cirilo que não tem guarda. Úúú-o-o. Desaparece no inferno! Vai, Chico Dias! Txéki! Txéki!
Depois dos exames era assim por todo o lado. Gritos eufóricos tomavam conta do ouvido das pessoas. O quotidiano delas estava virado unicamente para azágua. Nos finais do mês de Julho, as terras do sequeiro traziam sinais de covas semeadas como manchas alinhadas na superfície do futuro. Uma de feijão ou duas de fava e quatro grãos de milho pareciam porções de esperança no abrigo da terra ansiando pela queda da chuva abundante. Tinha gente que por agoiro semeava em pó, isto é, depois da primeira lua de Julho e outras adivinhando a presença das chuvas detrás dos sinais do tempo metiam confiantes os grãos na terra seca. Sementeira é em chão molhado, assim cria Nho Zebedeu, homem conhecedor dos sinais do campo.
Os meninos viviam com entusiasmo a sementeira e o guarda-corvo, tarefa, sem dúvidas, divertida e igualmente muito importante sendo uma das condições essenciais para se garantir a emergência do verde vivo que só o chão molhado sabia pintar. Os guardas da sementeira atiravam fundas para o céu e diziam nomes feios esconjurando os corvos de cada vez que passavam sobre os espaços semeados. A pior coisa que se podia dizer a uma pessoa era que ela se comportava como um corvo. Não tinha poiso certo este viageiro vestido de negro, perseguido por todos onde quer que fosse. Estes daninhos duma figa acabavam sempre familiarizando-se com os espantalhos sobretudo quando a fome os apertava. Poisavam mesmo assim sobre as covas e lá conseguiam esgaravatar e descobrir os grãos de milho deixando os de feijão. Qualquer distracção ou ausência prolongada dos vigilantes era fatal. Remexiam tudo e causavam sérios danos à sementeira. Nem a astúcia de se espalhar os grãos dentro da cova os confundia.
 A guarda ao lugar só terminava quando o milho crescesse e tivesse para cima de quatro folhas. Assim, os pardais não podiam ceifa-los com o afiado bico. Para os afugentar, os guardas serviam-se de latas velhas, pedras ou paus de purgueira para orquestrarem toca-lata, som ruidoso que imitava o ritmo do batuque acompanhado de cântico próprio. Nos lugares mais afastados a guarda prolongava-se até à altura da córta. Havia, pois, que se defender das peladas e dos macacos. Funco, abrigo improvisado dos guardas, era construído de ramos de purgueira ou de outro arbusto resistente, forrado ou coberto de talos de carrapato de Lisboa, em sítios elevados para alargar a visão. Quinze de Agosto, dia de Nossa Senhora da Graça era considerado a altura limite para queda das primeiras e significativas chuvas. Não se registando, as pessoas começavam a encarar a hipótese do ano atrasado, ou de má azágua.

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RAPIZIUS

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