.... da noveleta Olho da Rua Cap. Quinto
Ponta Lancha tinha perdido a calma no dia em que o menino
tinha levado do pai pontapé no traseiro, embicando-o duas vezes antes de
alcançar o outro lado da ruazinha de terra batida, ficando ali instantes
abaixado a berrar, incomodado apenas os cães vizinhos que latiam não se sabia
em que direcção. Exaurido, Pincel, atirou o boné contra a parede, umas tantas
vezes, sem ninguém ligar o que vinha dizendo. Endividado, sem trabalho,
encalhado seco-russo, pior que Pedra Bica estava ele. Estava absolutamente sozinho.
O olho da rua é que dava melhor com a posição em que se ele encontrava. Não
devia fazer aquilo, mas fez. Que esperar de uma criatura que não tinha quatro
patas, orelhonas não, que trocou o trabalho certo por vida de porcaria,
situação que não valia a pena classificar para não cansar os advérbios à toa!
Que fazer de um homem que se transformou numa trouxa errante, em fantasma do
olho da rua e de nunca ter deixado de beber! Tinha profissão, tinha trabalho,
tinha casa, tinha mulher e filho. Então! Atormentado de quê? Era pintor e
ganhava para viver. Mas os pintores tinham essa coisa de irem tirar o cheiro de
tinta da garganta nas tabernas, acto típico virado vício que levava alguns
deles a ficar com a vida desgastada e desgraçada de vez. Quando ele saía do
trabalho era necessário pedir-lhe até a garganta secar que fosse para casa, que
voltasse para junto da família. Mas não ouvia. Enquanto não tropeçasse na
armação do olho da rua, caminho de casa não era com ele. Nem rebocador de alto
mar o movia dos inevitáveis encalhes naquela estrutura de tábuas de caixote
feito balcão, bêbado de viciados, cheirando a infortúnio e sepulcrário do
salário de um dia de labor bem tirado.
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