Um nacozinho do texto do conto NO OLHO DA RUA da coletânea inédita
Descantes de Nha Ribeira
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Tudo por uma razão muito simples. É que a festa que marcava a natividade do menino mais ilustre da terra exigia esforço financeiro e entrega de ricos e de pobres. Era algo inevitável porque se cria piamente que a felicidade deste dia podia inspirar os vindouros, desde que imperasse a fé, mesmo sabendo que o pé-de-meia não aguentava a festança. Alguns, em gesto de solidariedade, colaboravam com os organismos civis na preparação das festinhas oficiosas para os meninos que nada tinham. Afinal era o bulício do Natal. A festa sedutora. Mas também do consumo descomedido. Não tendo a função de juntar e de divertir a criançada ao lado dos adultos, o Natal, na óptica consumista, seria a pândega mais popular do ano, precisamente, por alimentar apetites de toda a espécie e feitio.
Mas ao lado de tudo isso havia aqueles meninos a quem nestes dias de roda-viva nada lhes cabia por razões que, se calhar, nada lhes dizia o Pai Natal, porque tornaram-se meros produtos do olho da rua, porque saíram de casa por não suportar tantas carências, por não entenderem as causas das agressões e não suportarem tantas mágoas e faltas, porque ficaram perdidos no meio de tantas desilusões, mas apelidados na mesma de flores do amanhã, embora errantes, desamparados, sem saberem para onde ir.
Porque inquilinos da esquina, dos alpendres e das obras inacabadas, porque expostos ao relento pastoreando estrelas, porque físicos que não cresceram no tamanho mas sim na idade, porque ladrõezinhos fracassados que aprenderam a odiar, porque nunca desvendaram como amar alguém, porque infantes sem nome no chão da implacável luta pela sobrevivência, enfim, porque filhos da suspeição que aprenderam a abeirar-se dos festejos como gatos bravios, sondando afastados o engodo sem oportunidade de o saborear serenamente, porque satélites mortos do mundo consumista que sagra o advento de uma sociedade mais risonha. Será mesmo, que a magia do presépio e adornos em árvores nevadas, zera nos excluídos o enfado insistente dos dias que no olho rua revivem suas vidas.
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