Cap V do conto Xamány
O sol ia bem baixo quando o rapazinho neto de Nho Torquato deixou ficar o recado à Nha Lucídia que tinha saído para tratar dos animais deixados fora do curral. Um recado daquela natureza voava que nem cheiro da calda na fornalha. Tudo foi muito rápido. Os interessados compareceram mais cedo do que se podia imaginar junto à casa onde havia o único fio que punha duas pessoas em contacto a milhas e milhas de distância. O telefone voltou a tocar. Era ele mesmo. Mãe e filho puseram-se a revirar o mundo das suas saudades, enquanto, pertinho, o outro interessado cismava de pescoço trincado para a frente como se os olhos alguma vez virassem ouvido. Sem perder tempo planeava o linguarejar para quando chegasse a sua vez. Mas a conversa de mãe para filho estava fincada de tal maneira que a noção tempo e distância se esvaíam inteiramente na imagem de vizinhança propiciada pela clareza das suas vozes.
Chegado a sua vez, os dois amiguinhos ferraram na cavaqueira com o de cá a gesticular que nem ramagem de charuteira exposta ao vento de Março. Tão, e tão pertinho se sentia do outro que a arrebatada troca da fala parecia sufocar o sistema pela onda de tanta vibração, circulando num e noutro sentido. De repente, a linha caiu. Muita coisa tinha ficado sem ir nem vir através dos araminhos de cobre que mantiveram os dois ligados por algum tempo. O jovem emigrante tinha completado nesse justo momento vinte e quatro horas longe da sua terra natal. O deste lado tinha deixado o local a correr à procura dos restantes amigos para lhes dar frescas novidades. Reuniram-se num instante e o moço começou a contar o que foi possível ouvir momentos antes, apesar de a linha ter-lhe pregado um bom calote. O pouco que conseguiu ouvir e dizer ficou transformado num relato que não havia meio de acabar, pondo ênfase no que mais o tinha motivado, os sítios bonitos e estranhos, o bairro da Barraca onde vivia muita gente da terra, nome que um dos presentes corrigiu para Buraca, o avião, a viagem etc. Os rapazes, influídos pelas novidades puseram-se a conversar apaixonados pelas imagens transmitidas, imaginando coisas e motivos que os atiçava ainda mais a acreditarem no sonho da emigração. A noite apanhou-lhes a conversar sobre o futuro das suas vidas.
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