terça-feira, 17 de outubro de 2017

RAPIZIUS




            Adivinhem!

O Boeing dos TACV gemia em pleno espaço em direcção às ilhas. Estou a três horas de Boston no seat five B, cinto deslaçado, descalço e encostado à almofada. A cabeça tinha ficado em Randolph, Roxbury, Milton, Dorchester e Brockton, com os amigos, cinco espaços de múltiplos abraços, cinco belas lembranças: Aquário, Biblioteca de Boston, Prudential Tower, Katy Circle e Milton . Many thanks again and again to all friends. Acomodei-me no assento, tirei da pasta o bloco e comecei a rascunhar palavras de agradecimento para os amigos. O tempo passava devagar. Meu corpo molificou e fiquei á deriva. De repente dei conta que estava numa sala cheia de gente, onde decorria uma reunião. O primeiro orador, frenético, insistia em falar de coisas que as pessoas não se mostravam dispostas a ouvir, mas que o orador considerava esplêndidas. Senhor Saltão, queira terminar, por favor. Agora é a vez do Senhor Ratão, disse o apresentador. No entanto, a secretária começou por ler o curriculum do Sr. Ratão, quando uma voz grave modificou o ambiente fazendo parar a apresentação, deixando tudo como no princípio. Um sujeito bem composto apareceu e com uma certa autoridade foi afastando os da frente até chegar ao lugar onde a mesa estava constituída. Todos se interrogavam sobre o que é que esse homem ia fazer. Em posição, pediu e deram-no o microfone. Meus senhores, atenção, vou colocar dois pontos para a vossa ponderação. A minha Doutora morreu por falta de Doutor. E agora? Como arranjar uma nova? Foi-se a fêmea e ficou o macho. Como arranjar outra? Não éramos casados. Mas ela era minha fiel companheira. A sala silenciou-se. Não se sabia o que dizer. Porém, da última fila, uma senhora fina e elegante, trajada de peças multicores, com um macaquinho ao colo, avançava entre a assistência a gritar. Deixem-me passar. Por favor deixem-me passar. Aqui dentro está montes de Dôtor, por acaso algum é veterinário. Não desejo que o meu companheiro tenha a sorte da Doutora. Em lugar do silêncio, gargalhadas e apupos tomaram conta do lugar.
Uma jovem senhora, simples e sorridente, carinhosa, saiu da multidão, apoderou-se logo do microfone, disse com ternura na voz: amigos, alegra-me estar aqui no meio de gente ilustre. Todos sabem que homem é um animal intelectual de intestino longo. Sabem qual é o ser sem intestino? Piolho. Disse alguém! Corrigiu a senhora. Ninguém acertou. O silêncio foi cortado por ela mesma. Corvo! É corvo, gente. É um ser sem intestino. Come, defeca logo! O zuído na sala parecia motor de avião. Cansado naquela posição, endireitei o pescoço e acordei. Os passageiros dormiam enquanto o lusimento trazia o alvor, para dentro da cabine. Subi a cortina da janela. Quatro horas depois, a hóstia laranja voava, devagarinho, da sua jangada de sono, sorvendo o escurinho e lá em baixo umas pintas acastanhadas em série emergiam do mar. Adivinhem!

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RAPIZIUS

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