sábado, 8 de setembro de 2012

O Funeral Debaixo de Chuva

 Por duas vezes aconteceu que não pude falar com amigos músicos porque vieram a falecer dias depois, sendo o primeiro caso com o Pantera e agora com o Zé Henrique.

Avistei-lhe junto á estação da Enacol da Fazenda – Nuno Duarte – e logo me dirigi a ele. Falámos mantenha. Há muito não nos víamos. Ele trazia o fato de treino dando a entender que vinha se exercitando. Achei-o muito magro, abatido mesmo. Sem me fixar direito disse: «Gostaria de te mostrar uns trabalhos. Dá-me o teu número e ligo-te depois. Guardou o pedaço de papel na algibeira». Eram cerca das 17 horas e 30, do dia 29 de Agosto e tive tempo de reparar o seu andar longo a dobrar a esquina.

A 5 de Setembro, à tardinha, no A Bolha, soube pelo Zezé di Nha Reinalda que o Zé Henrique tinha dado entrada no hospital onde ficou internado e, logo, combinamos ir vê-lo no dia seguinte. Assim foi. Eram 15 horas, hora da visita, estávamos ali à espera juntamente com os que iam fazer o mesmo aos amigos e familiares. Enquanto aguardávamos a autorização para entrar a filha Aleida vinha-nos relatando o estilo de vida assumido pelo pai nos últimos tempos e os cuidados que ela vinha tendo com ele. Dado o sinal, entrámos. Dentro fazia bastante calor. No quarto ao fim do corredor, na cama 16, estava deitado o amigo Zé Henrique sem controlo de si a receber soro e oxigénio. Cenário triste, muito triste de se presenciar. Aproximei-me e coloquei a mão no seu corpo e senti que não tinha temperatura normal e logo acreditei que ele não se aguentaria por muito tempo. De novo juntámo-nos aos filhos no pátio. No entanto, chegaram Zekinha Magra e Silva do Bulimundo para testemunharem o estado crítico do amigo. Entraram e não demoraram. Regressaram silenciosos e cabisbaixos. Então ficámos um bom bocado de tempo no pátio à conversa e a opinar sobre os problemas que nós criamos à vida quando os nossos projectos fracassam ou falham por culpa própria. Às vezes não damos conta de que a vida não tem projectos para nós. Contrariamente, nós é que temos projectos e mais projectos para ela, a vida. Se não cuidarmos bem dela pode acontecer que o V desapareça e caiamos numa da IDA sem regresso. Sinto muito quando se perde a vida do jeito a se dar oportunidade ao desleixo para nos tirar a vida da forma como o fez e o tem feito á vários dos nossos amigos de valor e muito queridos.

Quero aqui dizer aos meus amigos sobrevivos para não entregarem as suas vidas a vícios mortíferos, condenando-se precocemente, porque viver e dar longevidade à vida é aprazível e enriquece o espírito.

Todos nós temos a obrigação moral de ajudar e de exercer a vigilância e a pressão necessárias sobre aqueles que nos são queridos de modo a afastá-los dos vícios fatais sobretudo aqueles amigos de reconhecido talento e que são mais valia para a sociedade e para a sua terra.

Vimos perdendo muitos amigos, mais do que isso, vimos assistindo à morte prematura de muitos dos nossos amigos de valor que teimam em não dar ouvido aos seus amigos de verdade. É e será sempre um caso de difícil abordagem por causa da teimosia. Porém, ao insistir em sua defesa devemos ser sinceros e rigorosos mas também carinhosos e respeitadores, enfim bom companheiro e amigo de facto.

No dia seguinte, cerca das nove e trinta da manhã telefonei o filho Angelo para saber como pai tinha passado a noite, e, ele: «o papá morreu esta madrugada. O Funeral é amanhã, sábado, as dez horas. Por favor avisa os amigos dele a ocorrência.» Muita coisa tinha ficado por dizer e mostrar, muitas obras ficaram silenciadas na campa deste belo compositor e tomador de notas. Ele era um moço cordeal, servidor e partioso. Sorria sempre que contava os episódios que davam lugar às suas letras. Perdi um bom companheiro, um tradicionalista moderno, um grande letrista e um músico muito fino na concepção melódica das suas criações musicais. Aprendi mais e mais com a tua morte, ZH. Foste um bom sinal de aviso para mim e para muitos de nós, teus amigos.


1 comentário:

Djessa disse...

Muito oportuno este teu apontamento, sim de facto pouco a pouco vao-se padecendo, amigos (as) que sem amparo a Vida lhes escapa o "V". Havia ja uns dois anos que nao havia falado com o ZH, mantenhas me enviava sempre que cruzara com o meu pai Tchibita, nas andancas matinais. Deixou um vazio pela parte que o cabia, guardo iternamente as imensas horas de conversas de que partilhamos, dos sonhos de projectos que me confidenciara e as risadas que me proporcionara.
Este teu reparo fora algo que ha cerca de um mes, me preocupara depois de ter-te visto na livraria na Achada, quando andava a procura do livro "sukutan"; depois de ler por um bocado aquele, o trabalho duma jovem para quem perdeu o "V"ida muito cedo.
Muito temos que fazer e muito podemos fazer... onde tracar a linha que define a separacao entre a peocupacao da do intrometido, ?

RAPIZIUS

                                                                                                         MINHAS AMIZADES COM DIAHO ...