Duas notas de fim-de-semana
1. Todos os dias às sete e meia da manhã a voz do chefe de obras chama pelos trabalhadores. Entre os doze ou treze homens nenhum é caboverdiano. Eles são da Guiné. Num falar rápido (português provinciano) ele dá as instruções do dia. Ao meio da manhã o chefe aparece de novo para controlar o andamento do trabalho. O falar alto dele é denunciador de que as indicações dadas não foram cumpridas.
De forma discreta perguntei ao encarregado e os outros se entendiam bem as instruções que lhes eram transmitidas. As respostas foram estas: “Não entendo tudo mas apanho qualquer coisa”. “Não consigo entender tudo, mas entre colegas desenrascamos”.“Ele fala rápido e se a gente perguntar algo ralha-se connosco”. Pareceu-me que: Politicamente as províncias ultramarinas eram portuguesas e humanamente nunca o foram por razões de óbvias.
2. O encontro de ontem, dos homens da música com o Sr. Ministro da Cultura, foi bom e as ideias lançadas e as propostas assim como estão delineados são curiosas e podem produzir grandes efeitos se levados à prática.
Do meu ponto de vista há a considerar o seguinte: uma coisa é as ideias, outra coisa é as deliberações e outra coisa ainda é a realidade material e humana que as suportam e as dão sentido e significação prática. Aqui nesta terrinha não faltam sonhos, ideias e desenrascanços, mas é onde também muito boa gente não se apercebe que a magia do discurso cria nela a ilusão do já conseguido como se o anúncio de uma decisão é ter o cobiçado boi na corda.
Às vezes, decidimos num sentido enquanto a realidade corre noutro sentido. Não quero, de modo nenhum, desfazer-me da muita coisa boa dita no referido encontro de músicos, mas a meu ver há questões básicas que têm a ver, primeiro com a aquisição de gestores aptos, práticos e de qualidade, capazes de cumprir as regras definidas e fazê-las cumprir juntos dos interessados, segundo com a coerência e a confiança que deve existir entre os que comungam dos mesmos sentires e ambições, e terceiro com o associativismo das classes urbanas.
Não me causa espanto nenhum o facto de na nossa terra as regras firmadas, em muitos casos, não passarem de bonitas decorações jurídicas, sem que na prática ajudem a moldar opiniões, posturas e sobretudo o cumprimento dos deveres e as obrigações entre as partes interessadas.
Ser-se cidadão culto e apto não basta um Adão astuto avistar o paisagístico e residir na cidade, assim como fazer ou criar cultura não é vogar no jorro das modas e avassalar apoiantes de rua. Por mim, enquanto o culto da cultura não passar pela aprendizagem didáctica, muito do que existe e faz-se não passam de frenesis onde a curtição prevalece sobre o que de direito à cultura devemos dar e dedicar com respeito. (KB)
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