Adivinhem!
O Boeing dos TACV gemia em pleno espaço
em direcção às ilhas. Estou a três horas de Boston no seat five B, cinto deslaçado,
descalço e encostado à almofada. A cabeça tinha ficado em Randolph, Roxbury,
Milton, Dorchester e Brockton, com os amigos, cinco espaços de múltiplos abraços,
cinco belas lembranças: Aquário, Biblioteca de Boston, Prudential Tower, Katy
Circle e Milton . Many thanks again and again to all friends. Acomodei-me no
assento, tirei da pasta o bloco e comecei a rascunhar palavras de agradecimento
para os amigos. O tempo passava devagar. Meu corpo molificou e fiquei á deriva.
De repente dei conta que estava numa sala cheia de gente, onde decorria uma
reunião. O primeiro orador, frenético, insistia em falar de coisas que as
pessoas não se mostravam dispostas a ouvir, mas que o orador considerava esplêndidas.
Senhor Saltão, queira terminar, por favor. Agora é a vez do Senhor Ratão, disse
o apresentador. No entanto, a secretária começou por ler o curriculum do Sr.
Ratão, quando uma voz grave modificou o ambiente fazendo parar a apresentação,
deixando tudo como no princípio. Um sujeito bem composto apareceu e com uma
certa autoridade foi afastando os da frente até chegar ao lugar onde a mesa
estava constituída. Todos se interrogavam sobre o que é que esse homem ia fazer.
Em posição, pediu e deram-no o microfone. Meus senhores, atenção, vou colocar
dois pontos para a vossa ponderação. A minha Doutora morreu por falta de Doutor.
E agora? Como arranjar uma nova? Foi-se a fêmea e ficou o macho. Como arranjar
outra? Não éramos casados. Mas ela era minha fiel companheira. A
sala silenciou-se. Não se sabia o que dizer. Porém, da última fila, uma senhora fina e elegante, trajada de peças multicores, com
um macaquinho ao colo, avançava entre a assistência a gritar. Deixem-me passar.
Por favor deixem-me passar. Aqui dentro está montes de Dôtor, por acaso algum é
veterinário. Não desejo que o meu companheiro tenha a sorte da Doutora. Em
lugar do silêncio, gargalhadas e apupos tomaram conta do lugar.
Uma jovem senhora, simples
e sorridente, carinhosa, saiu da multidão, apoderou-se logo do microfone, disse
com ternura na voz: amigos, alegra-me estar aqui no meio de gente ilustre. Todos
sabem que homem é um animal intelectual de intestino longo. Sabem qual é o ser sem
intestino? Piolho. Disse alguém! Corrigiu a senhora. Ninguém acertou. O
silêncio foi cortado por ela mesma. Corvo! É corvo, gente. É um ser sem
intestino. Come, defeca logo! O zuído na sala parecia motor de avião. Cansado
naquela posição, endireitei o pescoço e acordei. Os passageiros dormiam
enquanto o lusimento trazia o alvor, para dentro da cabine. Subi a cortina da
janela. Quatro horas depois, a hóstia laranja voava, devagarinho, da sua jangada de sono, sorvendo o
escurinho e lá em baixo umas pintas acastanhadas em série emergiam do mar. Adivinhem!
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