Soberba, Leviandade ou Loucura
pura e Simples
O jornal Horizonte, de 15NOV02, na página 8 – Politica – deu-nos a conhecer o que se passou no fórum de Mindelo em que a economia e desenvolvimento social eram tema de fundo. É sempre útil e actual reflectir sobre matérias que dizem respeito ao nosso desenvolvimento. Discutir com gosto o que realmente nos interessa é bom. Ajuda-nos a clarificar as ideias e a apostar com mais segurança naquilo que melhor serve os interesses colectivos, e a um futuro menos penoso para os que vierem depois. Daí, que a boa e esclarecedora comunicação num debate desta natureza é sempre desejável.
Acredito que estiveram ali pessoas de bem e bem-intencionadas dispostas a darem um contributo de valor para o amadurecimento das ideias avançadas e quiçá para ajudar a alcançar boas saídas para os problemas que ao país se põe independentemente das convicções de cada um relativamente ao modo como as coisas deverão ser feitas e conduzidas. Pautar por abordagens científicas, ponderadas, sérias e com sentido pedagógico das questões são factores estimulantes para a identificação dos pontos comuns e de discórdia.
Todavia, não posso deixar de dizer que muitos de nós sentimo-nos confuso e ofendido com o que vem escondido nas entrelinhas das afirmações a seguir «Que Santiago fique do lado da África com a qual se identifica e nós (Barlavento) na macaronésia» «A Praia, anda a comer no prato de São Vicente» «A Independência prejudicou São Vicente» dizeres ásperos que reflectem o imaginário de quem foi Ministro da Cultura do Governo desta Republica, Sr. Arquitecto Jorge Delgado, filho de Santo Antão. Estas afirmações são de uma personalidade instruída e civilizada, que nasceu, cresceu, estudou, trabalhou e se formou homem em Cabo Verde e que teve a sorte de ser governante deste país, com toda a legitimidade, e de morar na Praia de Santa Maria, cidade Capital da República, na Ilha de Santiago de Cabo Verde, onde pôde granjear boas amizades e muitas simpatias por parte dos «badius» e das «badias» negros e mulatas.
Ora, as pessoas, que não são burras nem levianas, quando dão mostras de possuírem algum miolo, normalmente sabem o que querem e o que dizem em determinados lugares e não precisam ser doutorados para tal acontecer. Os tolos não servem para a política e não servirão para nada a menos que o partido que os acolhe os queira manter e aturar as suas tolices. Para estes há um distintivo claro: “políticos rabidantes”. Estes sabem cuidar bem de si, dos seus interesses e têm a faculdade de virarem ricos num mandato de quatro anos. Vale a pena vê-los, sobretudo, quando tratam de defender a todo o custo o estatuto que detêm à custa de chorudo salário, ganho, muitas vezes, à custa de simpatias e de “manteiga” em detrimento dos que realmente produzem. É muito engraçado vê-los falar destas ilhas, do seu desenvolvimento e do futuro de todos nós. Estes ditos cujos fazem perder a tuza a qualquer um além de dar cabo do juízo de uma pessoa.
Como é que pode ser que numa legislatura de cinco anos (1995 a 2001 p. ex.) vários foram os políticos que saíram na posse de bens imóveis, hectares de terreno e dinheiro no banco e o contrário verifica-se com as pessoas honestas vivendo do seu trabalho, amarrados aos seus ideais e aos seus valores e princípios, que para ter casa própria recorreu ao banco, e mais, têm ainda o cuidado de comparticiparem em campanhas de solidariedade para com os carenciados e vítimas de calamidades em países como Angola, Guiné-Bissau, Hati etc.
Há mesmo muitas lérias ditas para encher o espaço dos nossos ouvidos porque não convence a cabeça de gente prevenida. Quando dizem estas e outras coisas absurdas me interrogo se nós gozamos de algum patriotismo e nos orgulhamos de facto daquilo que temos e que somos? Se quem luta para sobreviver sente que tem pátria? Luta-se por ideais ou por interesses das castas? Será que o sentimento pátrio desperta-se em nós só quando as nossas garantias sociais estão ameaçadas ou quando os nossos os interesses pessoais e familiares são postos em causa? Será que o modo crioulo de patriotismo é fingir-se disfarçado?
A acepção crioula «difruxan» significa sintoma que indispõe a pessoa totalmente, deixando-a sem vontade para nada, despritado, sem espírito. De frustração fala o especialista. «Difruxan» é o mesmo que disfunção, desafinação dos órgãos levando a pessoa a esquisitices e a produzir corrença mental, iludindo-o para poder iludir os outros sem dar por isso. Terá o Sr. Jorge Delgado sido atingido por este mal-estar?
Incultura, vergonha e autêntica leviandade é o que se ouviu do Sr. Jorge Delgado. Autêntica falta de civismo. Barbaridade e violência com fortes laivos de racismo. Mas o pior e o mais grave foi caluniar a ilha de Santiago e os santiaguenses. Este, é um ato inédito, um golpe à dignidade nacional, um acto fomentador da discórdia, um atentado terrorista, porque altamente danoso aos interesses dos cabo-verdianos, à sua cultura e particularmente, à imagem da Ilha de Santiago, berço da nossa crioulidade e abrigo de mais de metade da população da nossa terra que, graças à sua generosidade, hoje, sustenta com gosto, pão, trabalho e tecto a muitos milhares de gente oriunda das restantes Ilhas, gozando todos das mesmas oportunidades porque filhos dum único povo sem contar com uma expressiva população de emigrantes vindos do continente africano ao qual pertencemos.
Os de curta memória que fiquem lembrados de que os antigos comerciantes ambulantes de Santiago e de São Nicolau (sediados na Praia) que embarcavam as suas compras de Mindelo para a Praia nos navios da antiga Sociedade Geral, agenciados pela Casa Madeira, dormindo vezes sem conta em cima das suas cargas no cais de acostagem do Porto Grande, são hoje, empresários respeitados e importadores directos das suas mercadorias em pé de igualdade com os restantes nacionais.
Portanto, nem Praia, nem Santiago, nem os empresários, ninguém come abusiva, nem distraidamente no prato de São Vicente, porque não há essa necessidade. Vice-versa poderá estar a acontecer. O que devia saber o Senhor Ex-Ministro da Cultura, é que Santiago evoluiu porque a ilha trabalha bastante para ter mesa própria restando para as mesas das ilhas irmãs. O que de melhor devia o Sr Delgado fazer não é desculpar-se é aceitar que as suas afirmações são de tolo e nunca inocentes e terá, por isso, que as assumir frontalmente e acarretar com as consequências.
Levanto, pois, a minha voz para protestar e para condenar com veemência o cidadão António Jorge Delgado, pela injúria, desrespeito, desonra e afronta, dirigidos a todos os de Santiago, os que nele residem, exigindo que no pódio da Assembleia Nacional, enquanto Deputado da Nação, se explique convenientemente sob pena de ser considerado ‘‘persona non grata’’ nesta Ilha de Santiago. Discórdia, divisionismo e terrorismo verbal, atitudes racistas jamais são toleradas nem dentro nem fora do Arquipélago.
Assomada-Cidade, Kastelu Kondi 15-11-02 - Kaká Barboza -