A CARA VADIA
O carro seguia na rua principal do bairro quando ela me fez
sinal para parar. Parecia quem vinha duma festa. Deu a volta, da janela do lado
oposto, disse que precisava de boleia. Eram três e meia da noite. Eu tinha de
chegar á casa. Recusei-me. Arranquei o carro. À essa hora da noite, boleia,
ninguém. Tomei a rua da Esquadra da Policia para encurtar o caminho. Andei uns
metros, senti um movimento estranho dentro do carro. Rodei a cara para a
almofada de trás, um braço apoiou-se no meu ombro. Quis parar, mas não
conseguia. O carro seguia sem saber para onde estávamos indo. Impacientou-me a
situação já que não havia como acertar com o caminho de casa. Senti-me perdido.
Não conseguia dominar os sentidos. Encostou-se a mim, com os olhos
semi-fechados, a espalhar um perfume estonteante que me tomava conta do comando.
Notava através dos sentidos que andávamos por um caminho diferente, a
distanciar-nos do bairro. As luzes da cidade afastavam-se cada vez mais. De
repente, o carro parou de andar, reparei e percebi que estávamos num descampado
em completa escuridão. Olho para o interior do carro, nada. Ao manobra-lo para deixar
o lugar, notei que uma cabra preta estava agora à minha frente. Tinha um porte
esquisito. Chifres compridos e enrodilhados em espiral, olhos aguçados de brilho
a chumbo derretido e voz áspera. Um frio percorreu-me as espinhas quando ela
disse: Sai e tira a roupa! Parei sem entender o que estava a acontecer. Recusei.
Impaciente, ela gritou novamente: Vá, tira logo a roupa, seu macho! Meu
primeiro impulso foi tentar correr, apesar da moleza que sentia invadir-me os
músculos. Olhei para um lado, para o outro, para tentar fugir, mais duas cabras
pretas surgiram atrás de mim a tapar o angulo. Calma macho, aonde pensas que
vais? O frio da nudez mais o calafrio na espinha gelaram por completo as minhas
forças. Entregar a cabeça era o único remédio. De repente apareceu um carneiro
de muita lã, encorajei-me. Lembrei-me de Nha Diminga, a velha da nossa casa,
que nos contava do carneiro lãzudo a atirar-se ao Sujo travestido de cabra
preta, para salvar o bom cristão. Os olhos do salvador pareciam uma lanterna
grande e os longos chifres a chicotes. Caminhou até mim e falou: Fica
descansado. Vou-me entender com essas vadias! Ao agir contra uma, a outra tentou
segurar-me pelo braço, mas o lãzudo fulminou-lhe a chicotada. Eu estava nu-prite.
Pronto a ser seduzido. As vadias fugiram. O lãzudo aproximou-se, inspeccionou-me
e disse-me: Podes ir para casa! Parado, tentei reencontrar-me. Dirigi-me ao
carro, entrei, pu-lo a trabalhar, saí para agradecer o lãzudo salvador e ali já
não estava. Assim como apareceu, sumiu. Meu corpo todo ardia em gelo, meus braços
e pernas doíam, mas meu castigo ainda não havia terminado. Tinha os pneus furados
e a casa ficava distante. Forcei as pernas para andar, mas de nada serviram, pareciam
estar presas no lodo do medo, enquanto gargalhadas sarcásticas ecoavam na madrugada
do descampado.
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