RAPIZIUS
Quando ouvi o barulho eram 03H16 da madrugada. Não chovia. Algo
de vidro partiu-se. Acendi as luzes. Fui ver. Pistola pronto a disparar. Casa
de banho, nada. Dois outros quartos de dormir, nada. Janelas da sala e da
cozinha, nada. Parado diante do frigorífico, olhava á volta, a pensar estalo.
Claro que senti vidro a estalar. Sono espantado, sentado na cadeirona, olhei o
tecto, lá estava a minha Osga Rosa. Havia muito tempo não a via. Fiquei sem
saber se era ela, irmã/ão ou filha/o. O certo é que estava rosadinha, gordinha,
compridinha, destacada ao pé do cortinado creme rendado a tapar a janela.
Apontei a pistola e falei para ela: - Ó! Coisa fofa! Não acredito que o barulho
que ouvi foi arroto ou peido teu! Baixei a arma. De repente os olhos pararam na
estante. Não estava lá a minha fotografia. Levantei-me. Pensei logo na história
dos finados passeando pela casa dos poetas. Já os senti nos momentos de escrita
a altas horas da noite. Um deles fez-se meu melhor amigo. Vejo-o sempre a andar
de um lado para o outro, de camisa branca, calças cinza escura, sapato
polimento, tipo professor na sala de aula, inquirindo o aluno. Sim, dizia,
levantei-me, aproximei-me da estante, olhei na vertical até o chão, lá estava o
quadro partido. Era isso. De fotografia na outra mão, olhei na direcção da Osga
Rosa. Já não estava no sítio. Sabido do que tinha acontecido, falei para ela em
voz alta. Quer dizer! Andaste á pesca e o abanão frenético da cauda fez-me
tombar do sono e quase levavas um tiro. Doutra vez entraste no violão tirei-te
de lá com muito cuidado para não te magoares. E hoje ia-te magoar no duro com
uma bala. Mas pior seria não te acetar e o rodopio do projéctil em ricochete alojasse
em mim, isto é, em lugar perigoso. O que farias? Eu morto e tu viva! Telefonavas?
Osga Rosa! Osga Rosa!
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