sábado, 9 de fevereiro de 2008

Bilhete Convidativo


FUNANBÁ TEM PATERNIDADE SIM

Em Agosto de 1974, parti de Mindelo, para a República da Guiné-Bissau, via Sal, e duas horas e tal mais tarde sobrevoava este território africano. Da janelinha via a conformação da costa, ficando eu sem saber ao certo se eram braços de mar ou se línguas de terra a invadir a privacidade de uma e de outra coisa.
Com os pés no chão, em Bissalanca, invadido pelo ar quente e pela paisagem africana, murmurei «Cá estou, porra! Sabiam que cada terra tem um odor e um gosto próprios? Pois, a vegetação, os pássaros, a paisagem, as construções, os habitantes, a altura do sol e o vento dominante, são das poucas coisas responsáveis pelo fabrico do aromatizado que nos visita e aguça a vontade de desmontar o insondado.

Apanhado pelo bafo da floresta, pelo odor do sovaco das águas e pelo colorido das etnias donas do áfrico único, enfim, absorvido pelo afroverde madre do batuku e da tabanka, mas também pelo eco da peleja libertadora, sentia o pulsar não da África de mau jeito que nos impingem, mas duma terra cobiçada, quiçá, por isso, ainda com a pujança entorpecida.

A cidade de Bissau, na altura, era uma urbe bonita de longas ruas e avenidas, muitas árvores e jardins bem cuidados, a parte baixa da cidade bem localizada e bastante movimentada, enfim, uma cidade africana pensada e construída pelos colonizadores, que os guineenses tinham acabado de tomar em suas mãos fazendo-a muito sua. A periferia é sempre a mesma coisa, a pobreza é a promotora da lufa-lufa e da rabidancia, próprios de sociedade com desigualdades sociais bastante acentuadas. Mas, bons momentos ali passei, convivendo com guineenses e caboverdianos.

Informei-me bastante nos quarenta dias de estadia. No regresso, latente, algo vinha dentro de mim em resultado do contacto directo com a cultura desse país irmão, onde tive a honra de ser convidado a assistir o Balé Africano por Okinka Panpa e a dois grandes concertos musicais pela prestigiada banda de então, o Bembeya Jazz Nacional da Guiné-Conacri, graças à minha condição de membro do PAIGC – Cabo Verde.

Foi em Mindelo que, efectivamente, comecei a ensaiar e a traçar os contornos do que viria a ser um ritmo a meu estilo, para a música que tracei. O conhecido Trabadja bo Studa, composição, da idade do Cabo Verde Independente, que andou pelos liceus e jardins-de-infância, música de escassa divulgação porque gravada na rádio, que marcou muitos meninos e jovens da época.
Foi nos idos anos 80, com ideias maduradas, que compus «Mensagi Grandi» «Kodjeta» «Joana» «Kor di Fodjada» «Bela» melodias assentes no ritmo a que dei o nome de Funanbá, algo resultante da fusão das palavras e dos ritmos do Funaná + Semba + Rumba, cuja sonoridade inspira-se num misto trazido do tradicional-gaitado.

Dada a fecundação, abriu-se o caminho para outros temas cujo ritmo nada tem a ver com o samba e bossa brasileiro, recentemente colado ao Dimokransa, originalmente, Funanbá. É bom dizer que jamais vivi cegamente agarrado ao tradicional, o chamado terra-terra, achando, sempre, que devíamos explorar e cultivar novas formas de expressão musicais. Para mim, criar é produzir viransas, é obter do básico o olho do novo, o inédito, «átxa ka atxadu inda», com total deliberação.

Em tempos ouvi um dos mentores do Ferro Gaita dizer que andavam a «pesquisar vários ritmos caboverdianos ainda desconhecidos» (RDP – Africa), mencionando o Funanbá como sendo um deles. Do que se disse ficou a ideia de que o estilo já existia e que em Cabo Verde há de facto uma variedade de ritmos autóctones por explorar, o que a ser verdade, muitos deles devem esconder-se algures na Cova de Lázaro. Sendo ritmo uma cadência, uma sequência regular dos valores e tempos fortes e fracos numa frase musical, acho, não se deve confundir certos cânticos e o uso de simples acessórios, ferrinho, búzio, cinboa, chocalhos adaptados etc. com pesquisa de ritmos ou coisa parecida. Não deve ser assim. O trabalho de pesquisa é substantivo e elucidativo. É tão fácil verificar a lista dos ritmos publicados. Basta ler a face de um teclado portátil ou ligar a Internet.

É que não passar em cima do criado e do sabido, também é uma forma elevada de nos ensinarmos a lidar com o nosso talento, sobretudo na música e, no meu entender, não houvesse, em devido tempo, a Escola de Nho Reis, achávamo-nos hoje, talvez, um pouco mais longe desta bela ocasião musical nacional. (KB)

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