quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O Curto Céu da Ceuzany

                 O CURTO CEU DA CEUZANY


Longe de mim prejudicar esta linda menina merecedora de um outro céu que não curto que “Nha Vida” a destinou. Devo dizer que esta jovem foi recebida como maravilha e encanto à sua passagem por esta cidade da Praia, integrando a banda Cordas de Sol, um grupo musical recheado de jovens talentos que representam muito bem a oração musical da ilha de Santo Antão. A cantora Ceuzany tem talento, tem presença e tem poder de canto. Ela pode chegar lá e voar sem receios no amplo céu da arte de cantar e de interpretar canções do mundo.

A forma como as músicas de Nha Vida foram preparadas e concebidas parecem vir de um território mítico e não de um país real, que é Cabo Verde. Nha Vida traz consigo tentativas e adaptações que são verdadeiro início de uma vida de apalpações direccionadas para a satisfação de quê, de que mercado, de que promoção artística, de que valorização musical, de que autores, de que produtores, de que músicos, de onde e quê, afinal.

A Harmonia Ldª caiu no embaraço de, primeiro, ter de lidar com a reposição do nome do verdadeiro autor do tema “Na ondas di bo corpo – de Dany Mariano”, segundo, ter de vir lidar com o grave acidente que é o CD “ Nha Vida”, a começar pela desatenção que devotaram à preparação dos temas musicais registados, entregando-os á responsabilidade da intérprete Ceuzany, para dar o impossível, facto que encurtou-lhe sobremaneira o céu onde pudesse voar lindamente. A Ceuzany precisa de ser aconselhada? Sim, precisa, por professores do canto para eliminar certos vícios do palco.

Conquanto ao tema “N’ka Pur Si” – de Kaka Barboza – devo dizer que os músicos de Santiago, os jornalistas das rádios, os amantes da música, todos eles ficaram muito chocados e tristes por verem a música que marcou a geração dos anos oitenta, pela singularidade melódica e pela retratação de um período simbólico, um, pelo surgimento do funaná, e, dois, pela gravação em estúdio de vozes inéditas de Santiago, Zezé e Zeka Nha Reinalda, em que o mestre Paulino Vieira, apostado num arranjo ousado do funaná, eternizou “NKa Pur Si”, sendo a letra um valor intimista ao mesmo tempo eufórico, próprio do santiaguez e devo dizer com toda a clareza que Paulino Vieira é o primeiro músico arranjador de Barlavento a ler e a interpretar Santiago na sua dimensão musical autêntica. O desastre ora verificado com “Nka Pur Si” e outros temas de matriz santiaguense deriva da incapacidade de se saber e de se obter Santiago na multiplicidade da sua vivência e história.

Ao surgir no mapa musical das ilhas, nos ouvidos dos residentes e dos embarcados o registo discográfico “Nha Vida”, pensava-se em acréscimos e nunca em regressões. “Nka Pur Si” no “Nha Vida” não deixa de ser um desarranjo assente na incapacidade, no oportunismo comercial e na asneira intelectual. Não fui consultado, e deu no que deu, texto truncado, descabido, sem nexo entre a melodia e a letra, esvaído dos traços mais comuns da geografia e pensar filosófico santiaguenses, dando cabo da natureza envolvente.



Nka Pur Si – registado no CD “Nha Vida”

Ai! Ai! Fidju fémia….
Min ka bá Lisboa….
Djan krebu djan krebu
Min ka bá Olanda…

Kel poku ki terra dá
Ku tra bá djuntá di meu
Lisboeta ka invejá
E Olandes ka fiká di riba

Djan krebu, djan krebu
Djan krebu fidju fémia
Dexan dezabri ku bó
Po da konta di nha nobu

Nta fazebu sinhorinha
Na midida bus dizeju
F’ka txutxutxe ponta margura
Na bainha mon d’se dono

Ai ai fidju fémia
Min ka ba Lisboa
Min ka ba olanda
Pamo min ka konsigui

…………………………..



NKA PUR SI (ORIGINAL)
             (Funana)



Dja-m krebu, dja-m krebu
Dja-m krebu fidjo fémia
Dexa-m dizabri ku bó
Pa-m da konta di nha nobu

Nta faze-bo sinhorinha
Na midida bu dizeju
Faka txuntxa ponta margura
Na bainha mon di si donu

Ayan! Fidjo fémia
Mi-m ka bá Lisboa
Mi-m ka bá Olanda
Má mi-m ka pur si

Kel poku ki terra da-m
N trabadja N djunta di meu
Lisboeta ka inveja-m
Olandês ka fika-m di riba

Praia, 23.05.1983 – Letra & Múzika – Kaká Barboza


Devo sublinhar que roubaram á melodia no essencial da sua estruturação. Não se partiu do Lá menor, simetrizado com Mi menor para cair em Ré Maior e depois ficar nos básicos Lá m e Mi m de sua marcação tonal. O próprio Paulino Vieira se enganou no disco Nka Pur Si quando apôs Ré menor, quando devia ser Ré Maior, lapso de que se desculpa “por ignorância”, confessa ele, todas as vezes que nos encontramos.

Este apontamento é um sinal de protesto contra uma clara atitude de desrespeito para comigo, autor do tema “Nka Pur Si”, contra o que se tentou chamar de adaptação, contra o encurtamento do céu da Ceuzany, um talento enrolado num autentico desarranjo musical, descaracterizante e barato. Irei discutir isso em fórum apropriado e sem demoras.

O disco “Nha Vida” mostra claramente a fragilidade com que a Harmonia Ldª caiu após o desaparecimento da Cesária Évora, cantora que dava força à nossa música e respeito aos compositores e músicos, além do substancial rendimento caído nas contas dos promotores.

Felizmente, teremos sempre o aberto céu das ilhas, todo ele contínuo, majestoso e inatacável no seu mistério de abençoar a nossa música e inspirar a viola e voz sem perderem a noção da caboverdianidade.

Pa más ki kabesa-l txeia é rabulisentu, margen é senpri txon di nubu rabentu.
KBarboza

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Poema de Meia Tigela



POEMA DE MEIA TIGELA


                                           Para os filhos da pedra

Filhos da pedra, onde finda, onde começa
O tramo da parede da fruta que vos pariu?
Onde principia a blasona, a praga onde termina?
E a fúria de saberem o tão incontável
É vossa inútil presença em todo onde há solarias?


Filhos da Gruta, da compulsão mais inconfessa,
De rótulos bastardos filhos da fraga,
Da pua do arco da ruindade e sua fístula,
Do pornográfico ventre da puta racha-madre.


Filhos da Bruta onde nasce e se abre o hediondo?
Do esterco jardim estreito berço de nascença
Onde a praga surge e floresce a cor do possesso
No ensanguentado sangue sôfrego e insalubre.

Filhos da Burla onde cresce e se tece o biombo?
Onde é afinal o final da proxeneta vossa e só vossa?
E onde tem tido origem os úberes donde acontece
Tão magra escória e louco e imundo truque?


07-02-2013 - Kaka Barboza

RAPIZIUS

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