ELOGIO FÚNEBRE A TIO JOÃOZINHO
João Alves, de seu nome de casa, Nhô Djonsinho, epíteto que deu nome à rua onde morava, na Achada Santo António, de há 50 anos, natural da Ilha do Fogo, nascido a 06 de Abril de 1924, despede-se, é como se nos tivesse oferecido uma derradeira arcada longa, longa de 88 anos de melodias, de harmonias, de desarmonias, de consonâncias divertidas em “Dó Maior” e de chagas dolentes em “Si menor” e de ânsias futuristas em “Sol Maior”. Deixou-nos o mestre do violino, o pai, o cidadão, o amigo, o pedreiro de tantas pedras talhadas e de tantas paredes erguidas neste chão Pátrio.
Ele, João Alves, último da linhagem do meu falecido pai, acaba de nos deixar, para, na constelação dos grandes brilhar como aqueles cuja obra transcende os limites territoriais das ilhas que os viu nascer. A obra de João Alves é um rico testemunho de como se constrói e se protege uma família, de como se tutela os tomados e educados como filhos, de como se cultiva a benquerença.
Nhô Djonzinho Alves está no epicentro dos êxitos que marcaram e produziram a contemporaneidade do panorama musical caboverdiano. Músico, violinista com mãos de pedreiro, profissão que sempre abraçou com igual competência, que, de dia, de ferramenta em punho construía moradias, à tardinha ensaiava melodias, dando corpo à música com o violino que o acompanhou há vários anos e, aos fins-de-semana, animava os sítios onde era chamado a actuar. Para Nhô Djonsinho, a música representava um estado de espírito, mas ao mesmo tempo uma sabedoria que, com mestria soube tocar a alma dos filhos e de todos aqueles que compartiam dessa escola de virtudes.
No momento da morte de um grande, sentimo-nos demasiado pequenos para compreender e explicar a humildade, a tolerância e a grandeza de espírito dos homens de bem, acontecimento que neste momento se celebra. Contudo, somos suficientemente adultos para nunca esquecer deste ícone vivo e do legado a nós deixado, porque de grandeza humana e universal.
A memória de João Alves, do Tio Djonzinho, fixa-se no rosto da letra que dá nome à sua rua, e, fixa-se, também, para todo o sempre, na sua carreira musical, fazendo da música uma arma da continuidade do imprescindível ao sustento da identidade de um povo, mas também um instrumento de promoção da música e da civilidade e da promoção dos valores da cultura nacional. Por isso tudo, por tudo o que fizeste, construíste e nos deixaste, atrevo-me a dizer com toda a classe, provaste como se conquista o “ Mestrado na Universidade da Vida”.
Meu caro amigo, meu tio, meu artista, meu inspirador. Nada disseste. Não disseste se “Vais Voltar” para uma “Tocatina de Domingo” à varanda fresca da tua casa, ou para me contares as histórias antigas, as de como meteste os meninos no Lá-Mi-Ré da arte de criar arte.
Partiste com a idade do teu primo irmão, meu pai, 88 anos, de forma serena, deixando-nos mais tristes, mais sós e mais órfãos, mas, ao mesmo tempo, mais fortes, mais homens! Seremos, pois, na partitura das nossas vidas e da nossa indefectível consanguinidade, os novos maestros, os donos de mão segura do teu exemplo, como forma de honrar a tua memória.
Meu caro amigo, meu tio, meu mestre, meu artista, meu inspirador, se eu tivesse o engenho e a arte dir-te-ia coisas ainda mais lindas do que estas arrancadas do canteiro destroçado do meu peito.
Lembrando uma das tuas singulares arcadas e, orando, pediria ao “Senhor para escutar a minha prece”, dizendo-lhe que estamos aqui para nos despedirmos de ti. Dizendo-lhe que a suavidade da tua alma merece as honras e as excelências do paraíso que te acolherá.
Estamos todos, dizendo-te, num curto adeus de sonoridades, que ouviremos as tuas melodias para que a tristeza se converta num fio de esperanças novas e de dias cheios de ventura e de fraternidade.
Descansa em paz, no reino do Senhor, disse a Igreja de Deus, e na paz dos poetas, cantores, criadores de boniteza e de embalos, dir-te-emos. Até sempre.
Praia, 14.01.13 – Carlos Alberto Barbosa - Kaká Barboza