Crónicas da Inquietação
ATÉ SEMPRE, ARISTIDES!
Andando pelas ruas, falando com o povo, percebendo o seu ser mais profundo – ali onde ele habita e não nas esplanadas pejadas de “políticos de bancada” -, podemos perceber a dimensão humana desse homem que há poucos dias nos deixou. Refiro-me a Aristides Pereira, uma personalidade que marca indelevelmente a vida política de Cabo Verde e do continente africano.
É um desses raros exemplos de coerência, simplicidade, honradez e dignidade que podemos encontrar na História da Humanidade. O seu corpo frágil transportava um homem que soube estar à altura do seu tempo e interpretar os ventos da História.
Os seus detractores, com o simplismo alarve de quem não vê para além do seu pequeno mundo, poderão sempre – e têm-no feito – atirar-lhe com a lama do partido único e dos injustificáveis anos da ditadura, conquanto alguns deles fossem, à época, os mais ferozes algozes, os mais seguidistas militantes, os mais abjectos perseguidores de opositores…
Aristides Pereira viveu numa época complexa, num pós Segunda Guerra Mundial onde a partilha do Mundo era dividida a meio entre “libertadores” de leste e oeste. Uma época marcada pelos “ismos” e a geoestratégia desenhada a régua e esquadro. No entanto, no pós-independência soube manter equidistância, desenhando uma estratégia internacional de afirmação de Cabo Verde como país independente, extirpando o drama das fomes endémicas do regime colonial e garantindo o essencial para a subsistência do povo de um Estado-Nação em que poucos acreditavam.
De igual modo, é reconhecida a elegância com que sempre tratou os adversários, não alimentando rancores e pautando a sua vida pela humildade e simplicidade. Não fez fortuna, apesar de ter estado 15 anos no poder. E soube retirar-se com dignidade quando percebeu que os ventos da História não lhe eram favoráveis e a sua visão do mundo havia sido derrotada pela dinâmica social.
Depois de Amílcar Cabral, é a grande referência da luta contra o colonialismo e da independência de Cabo Verde, mas também da ética na política, do primado dos ideais sobre os interesses mesquinhos do poder pelo poder. E é por isso que, para os cabo-verdianos - desde companheiros de partido a adversários políticos -, é uma figura indiscutível da História e da mundivivência de Cabo Verde.
Terá sempre a manchá-lo os 15 anos de partido único, é verdade. Mas se analisarmos a História com objectividade e sem paixões mesquinhas, perceberemos que, de algum modo, Aristides Pereira foi refém de uma época em que o Mundo parecia mover-se a dois tempos e onde não sobrava muito espaço para grandes ousadias. Fez o que soube e pôde e, no momento certo, soube retirar-se com a dignidade reservada às grandes figuras. O que é de difícil compreensão para figurinhas e figurões…
Aristides Pereira foi um dos heróis africanos da minha adolescência, juntamente com Amílcar, Luís Cabral – que conheci e com quem convivi algumas vezes -, Mandela, Mondlane, Samora – que também conheci pessoalmente -, Steve Biko…
Foram figuras de referência, entre outras, para o meu crescimento como homem e cidadão. Se ainda penso como então? Claro que não, mas continuo a ver em todos eles uma janela de esperança na verdade e na autenticidade da política, de prevalência dos ideais sobre os mesquinhos interesses pessoais!
ANTÓNIO ALTE PINHO
jornalista
privado.apinho@gmail.com